Russos levam o sonho do petróleo de volta ao coração da Amazônia

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O início de perfuração do Buriti 1, primeiro poço da petroleira Rosneft na Amazônia, renovou a esperança dos moradores de Carauari, município às margens do Rio Juruá — a meia hora de avião (786 km em linha reta), ou a dois dias de barco de Manaus (1.676km) — de que os investimentos russos deem finalmente um impulso na economia local. No início dos anos 1980, a Petrobras realizou pesquisas de petróleo e gás no município, mas bateu em retirada para Coari, a 650km da capital, onde centralizou os trabalhos da Província Petrolífera de Urucu, hoje a maior reserva terrestre de gás do país. Agora, com a chegada dos russos à região, Carauari aguarda ansiosa a promessa de instalação de uma nova termelétrica no município.

O projeto, que inclui uma linha de transmissão de 790 quilômetros até Manaus, onde a usina seria interligada ao Sistema Nacional de Energia (SIN), foi apresentado pela Rosneft ao governo do Amazonas em junho do ano passado. A expectativa da região em torno do petróleo é alta. Neste fim de semana, pela primeira vez, o governador e sua equipe visitam, a convite da Rosneft, a área de perfuração no município de Tefé, de 8,47 hectares. A pedido da companhia, não é permitida a presença da imprensa.

PASSIVO AMBIENTAL COMO HERANÇA

No total, a petroleira russa detém os direitos de exploração de 16 blocos na Bacia do Solimões desde 2015, quando adquiriu o controle das mãos da PetroRio (antiga HRT), sua ex-sócia, e se tornou a operadora da busca por petróleo e gás no coração da Amazônia — o bioma mais protegido do país e que mais atrai atenção do mundo todo. A empresa não atendeu solicitação do GLOBO para informações ou entrevista sobre sua estreia na região.

O pré-sal e a Operação Lava-Jato levaram a Petrobras a concentrar ainda mais seus esforços na exploração marítima. Até que novos blocos sejam leiloados, a Rosneft é a única empresa a buscar gás e petróleo na Amazônia.

— Todos os testes feitos indicaram que há petróleo na área, mas só saberemos de fato quando jorrar. No Amazonas, tudo tem prazo de maturação — avalia, cauteloso, o governador José Melo (PROS).

Quinta maior petroleira do mundo, a gigante russa terá de vencer também as dificuldades ambientais. A empresa inicia a perfuração na floresta já com passivo ambiental. Na última quarta-feira, a empresa assinou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e assumiu os passivos da antecessora HRT, que chegou a desmatar e furar alguns poços sem ter reflorestado as áreas por onde passou, como determina o Instituto de Proteção Ambiental do Estado do Amazonas (Ipaam).

A companhia russa terá de recuperar as áreas degradadas em três anos. A licença prévia para operação foi obtida no Ipaam em janeiro passado. O Ibama, que é federal, licencia apenas operações offshore. Em terra, a incumbência é dos estados. Ainda não há detalhes dos compromissos assumidos pela Rosneft com o Ipaam.

A Rosneft anunciou que os trabalhos de perfuração começaram em fevereiro. O compromisso seria perfurar pelo menos
sete novos poços até 2019.

— A Petrobras já provou que, se tiver todos os cuidados, é possível extrair petróleo e gás sem ferir a floresta. O maior desafio é tornar a operação rentável — afirma o governador.

RICA EM RECURSOS NATURAIS, MAS SEM BANCO

Com 28 mil habitantes, Carauari vive da extração de recursos naturais. Parte da sua abundante produção de açaí é adquirida pela Coca-Cola, que desde 2013 produz suco de açaí e banana. Na Reserva Extrativista do Médio Juruá, a Natura implantou um projeto de preservação e geração de renda em comunidades ao longo do Rio Juruá, considerado o mais sinuoso da Amazônia. Dali, colhe matérias-primas florestais, como murumuru, andiroba e ucuuba, usados em cosméticos da marca. Juntas, as duas empresas encabeçam programas sociais para melhorar a vida dos moradores da região.

Apesar das riquezas sobre a terra, é o petróleo que povoa os sonhos de boa parte dos moradores — um quarto da população vive em situação de extrema pobreza. São 4.997 famílias cadastradas no Bolsa Família, que injeta R$ 1,5 milhão por mês no município. A saúde é precária: malária, diarreia e cirrose decorrente de hepatite são as doenças que mais preocupam.

— Muita gente está com o currículo pronto para entregar na Rosneft. A expectativa é que a empresa ocupe a Base Gavião, a mesma que a Petrobras deixou há mais de 30 anos — diz um funcionário da Prefeitura de Carauari, que não quis se identificar porque o prefeito, que concorreu mesmo sem ter o registro de candidatura aprovado, havia viajado a Manaus para tentar garantir a permanência no cargo na Justiça eleitoral.

Com a recessão no país, a Prefeitura virou a principal empregadora. A baixa circulação de dinheiro na cidade levou o Banco do Amazonas a anunciar o fechamento da agência no município. Açaí e peixe são a base da alimentação local. Com a chegada da Coca-Cola, porém, o litro do açaí vendido na cidade saltou de R$ 1 para R$ 6 — valor considerado alto para os padrões locais.

— A ansiedade é grande. Aqui a gente sofre de escassez de emprego. Se não conseguir na Prefeitura, tem de trabalhar na pesca ou no extrativismo. A outra saída é ir para Manaus, tentar a vida lá — diz Henrique Melo da Silva, de 25 anos, que nasceu em Carauari e estuda biologia na unidade local da Universidade Estadual do Amazonas.

Há mais de 30 anos que Carauari, cujo perímetro abriga cerca de 400 comunidades ribeirinhas — algumas distantes até oito horas de barco — ouve falar de suas reservas petrolíferas.

Segundo o governador do Amazonas, na área da Rosneft as reservas estão em profundidade maior que as da Petrobras. A Prefeitura de Carauari acredita que a Rosneft usará tecnologia ultramoderna, com chance real de tornar a extração viável. Em apresentações a especialistas do setor, no fim de março, a companhia falou sobre sua experiência em áreas adversas e de sua tecnologia, que inclui perfuração multidirecional.

O potencial de gás é realidade no Amazonas, que detém 10,8% das reservas provadas do país. O estado ocupa o terceiro lugar na produção nacional, atrás do Rio e de São Paulo, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

A Petrobras tem hoje 60 poços que produzem petróleo, condensado e gás natural na Amazônia, numa área de 350 km² nos municípios de Coari e Tefé. A empresa ainda mantém um bloco de exploração de xisto no Acre, com estudos suspensos.

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