Muito já se falou sobre a passagem recente de Lady Gaga pelo Brasil, mas me chamou atenção a feliz coincidência do seu megashow no exato mês no qual celebramos os 32 anos da despatologização da homossexualidade pela Organização Mundial de Saúde (OMS), marco que transformou o 17 de maio no Dia Internacional de Combate à LGBTI+fobia.
Digo adiante o porquê:
Primeiro, gostaria de contextualizar que o surgimento de organizações políticas voltadas à defesa de direitos relativos à livre orientação sexual e identidade de gênero é um fenômeno relativamente recente na história. As formas embrionárias destes grupos datam apenas do final dos anos 1960 nos EUA e na Europa. Foi somente em 1993 que umas das suas primeiras reivindicações foi conquistada, a saber, a retirada do termo “homossexualismo” da lista classificação internacional de doenças.
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De lá para cá, muita coisa aconteceu. Em 2010, por exemplo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decretou o dia 17 de Maio como Dia Nacional de Combate à Homofobia, termo ainda utilizado à época. Anos depois, precisamente em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que os atos de homofobia e transfobia são expressões de racismo e, portanto, configuram crime com as mesmas sanções e penas previstas pela Lei 7.716/1989.
Ao falarmos sobre esses marcos, é importante que se atente para um detalhe: quando a OMS reconheceu oficialmente não haver qualquer doença na homossexualidade, tal questão já estava posta e superada do ponto de vista científico, mas o estigma presente no imaginário social seguia atuando (como ainda atua) para encobrir uma verdade inconveniente, a de que a diversidade existe e é legítima.
Essa talvez seja uma grande lição do 17 de Maio aos movimentos sociais contemporâneos, demonstrando que o óbvio precisa ser dito e que as transformações sociais não se darão sem a organização política do nosso povo. Por ocasião do show de Lady Gaga em Copacabana, pudemos ver como uma legião de fãs marcadamente LGBTI+ ainda se conectam profundamente com a mensagem de autoaceitação propagada pela artista, mesmo nascidos na geração pós-“despatologização”.
Sem dúvida, os chamados Little Monsters (monstrinhos) desenvolveram um notável senso de comunidade para além da música, permanecendo ligados de alguma forma pelo sentimento de pertença ao universo do “estranho” e “desajustado”, ressignificando o tom pejorativo destes termos na medida em que cantam a transformação da vergonha em orgulho das suas singularidades. Tal correlação é tão forte que, não por acaso, grupos terroristas anti-LGBTI+ organizaram um atentado à bomba para este show. Por sorte, tal plano foi interceptado e frustrado pela Polícia brasileira.
Mais de três décadas após aquele maio de 1993, fatos como esse e, de modo geral, o avanço da extrema direita no mundo, nos mostram que a pauta pró-diversidade precisa adentrar a ordem do dia, que o combate à discriminação é urgente e que o 17 de Maio segue sendo importante para a visibilidade dos movimentos sociais LGBTI+.
Como vimos, algumas conquistas ainda levam tempo, luta e vontade política para se traduzirem em mudanças efetivas em nossas vidas. Ainda precisamos construir um lugar seguro para nós. Little Monsters do mundo todo, levantem as suas garras!
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora.