Artigo: Quero Minha Bunda de Volta

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Carolina, carinhosamente apelidada de “Carol”, filha do seu Carlos e de dona Lina, ganhou esse nome a partir da junção de parte do nome do pai com o nome da mãe. Apenas o “o” foi acrescentado como um elo, porque sem ele a pronúncia não soava boa. Trata-se de mais uma filha de Miracema do Tocantíns-TO, que ganhou asas, correu o mundo, globalizou-se, não sem antes contribuir com a burocracia brasiliense por longos anos, até aposentar-se.

Carolina foi à sua renomada ginecologista de outrora, Dra. Valéria Du Pont.
– Bom dia, Dra. Valéria!
– Bom dia, criança sumida!
Depois de um abraço apertado, a Dra. Valéria começou o seu trabalho:

– Olhei seu prontuário e vi que você, como se dizia nos velhos tempos, não dá o ar da sua graça faz um tempão! Por que você me abandonou? Eu ainda sou a craque Marta da ginecologia do “pedaço”, como dizia minha avó. Outras craques estão por aí, mas, dane-se a modéstia, eu faço a diferença.

– Claro que confio e mantenho a fidelidade, mas viajei muito, não parei meu rabito. Moro, agora, na Espanha. Aliás, permita-me a confidência, tô pegando um toureiro recém-saído das fraldas, 23 aninhos, carentezinho, que, também, adora viajar, comer bem, e o nosso amor infinito enquanto dure, como dizia o “poetinha” Vinícius de Moraes, está bombando. Ou então, se visto com os olhos do comunicador Fausto Silva, o “Faustão”, um amor eterno enquanto “duro”, incentivado pela boa vida que lhe dou. Como se sabe, é dando que se recebe, e São Francisco de Assis tem sempre razão: “Eu dou e ele me dá aquilo que eu quero, e assim botamos lenha na fogueira da nossa paixão”.

– Você sempre foi uma grande pegadora! E “por falar em rabito”, olhe! Agora tenho um rabão!
Levantou-se, arriou a calça e a calcinha, virou-se e mostrou a bunda reformada por um famoso cirurgião plástico. Carolina, surpreendida, arregalou os olhos, levou a mão aos lábios e falou:

– Nossa! Obrigada pela quebra de protocolo, pela nossa intimidade! Que rigidez! Uma bunda pétrea! Parece mármore! As estrias, os furinhos de queijo suiço… sumiram! Tá lisinha! Um bumbum de bebê! Quem é o escultor que assina essa maravilha? O Aleijadinho ou o Da Vinci? O teu cirurgião os incorporou? Só pode ser! Agora é uma bunda com altivez, cheia de dignidade, humilha até a lei da gravidade… tão empinada! Que massa, véi! Já que me mostrou, Dra., quero um desfile particular, exclusivo, para eu ver no seu caminhar o movimento dos glúteos, a sincronia necessária, se não ficou travada! A senhora bem sabe que nos movimentos, no rebolar, uma banda da bunda não pode se exibir mais que a outra; o balanceamento e o alinhamento precisam ficar impecáveis, né? Desculpe-me, vi mulheres que depois de uma Blefaroplastia não piscaram mais os olhos simultaneamente e dormem com um ou o outro “semiaberto”. São escravas de colírios.

A Dra., calada, com ar de desafiada, sentou-se, desnudou-se dos pés à cabeça e desfilou pra lá e pra cá, sempre passando o rabo do olho na exigente amiga Carol, a essa altura,
encantada com o que via.

– Quanto custou? Quero o telefone desse cirurgião! Ele é o cara!
– Dezoito mil reais! Uma bagatela, acho!
– Não vou dizer que esse dinheiro faria “falta, mas tá meio puxado!”
– Ora! Eu faço pra você por doze mil reais divididos em seis parcelas!
– Pera aí, Dra., a senhora é ginecologista, vim aqui para cuidar da perereca!
– Carol, nesses cinco anos em que você se ausentou, fiz várias especializações. Gluteoplastia, Clitoroplastia, Ninfoplastia e o melhor: “Fui orientada” pelo papa da área, o Dr. Epaminondas Galvão, o mesmo cara que recompôs esta bunda que você está apreciando. Só não estou trabalhando com ele, por convite do próprio, porque eu me tornaria sua eterna auxiliar. Não nasci para ser coadjuvante e cá estou brilhando no meu espaço, cuidando da minha carreira solo. Como você vê, reformo bundas, clitóris, lábios vaginais e como ginecologista continuo fazendo incursões no encantado mundo interior das vaginas. Só não me especializei em Esfincteroplastia anal, porque seria demais para mim. De qualquer forma, há muita gente boa cuidando da incontinência fecal por aí. Garanto-lhe: toda perereca que passou pelo meu bisturi trocou a cara enfezada do saudoso Pedro de Lara pelo sorriso luminoso da Isis de Oliveira. Enfim, deixando o fiofó de lado, cuido com muito zelo de todas as outras partes que compõem o parque de diversão dos aconchegos.

– Como sou distraída, Dra.! Nem tinha notado que a senhora mudou o letreiro luminoso da clínica e acrescentou essas outras especialidades. Não bastando, trabalha a perereca por fora, melhorando a paisagem, e o lado de dentro, cuidando da saúde da mulherada. Certamente, o saldo positivo é a autoestima das beneficiárias… vai lá pras alturas! Mas, e as clientes antigas, como eu, da ginecologia?
– Mantenho-as com muita satisfação!
– Se eu for fazer plástica, Dra., da bunda será o suficiente. Os machos olham mais para os peitos e para o bumbum. O resto é complemento. Vá lá! A Angelina Jolie impôs um padrão de lábios às meninas de todo o mundo. A Bruna Linzmeyer, meu Deus! Que boca é aquela? Nunca vi tanta sensualidade numa boca só! Quase toda mulher, agora, quer ficar bocuda. A Juliana Paz e umas poucas outras vivem humilhando a gente com suas bundas que beiram a perfeição. Reformar lábios e a perereca pouco me interessa; clitóris, idem. Esses ficam escondidos e só na hora do vamos ver se apresentam. Bunda é uma coisa associada a movimento, a quadris, a olhares. Os olhos batem em cima e despertam a fantasia, a libido. Mas na convalescença, por quanto tempo dormirei de bruços? Por quanto tempo minha bunda vai ficar impecável? Bunda cansada , despencada, é um castigo, mas preciso saber se vale a pena. Quero saber a relação custo-benefício.

– Você terá uma bunda, sem precisar de reparo, por intermináveis nove meses.
– Quando eu me sentar… não vai doer? Não vai ficar deformada, que nem nariz de guri dando pressão em porta de blindex?
– É por essas razões que não uso o superado silicone. Aplico o colágeno. Ele é a última conquista das pesquisas de ponta para recompor a paisagem de uma bunda que um dia se impôs, foi gloriosa, que era bunda-princesa e virou bunda-madame.
– Tô decidida, Dra.! Quero minha bunda de volta! Quero voltar a usar fio dental! A senhora me convenceu. Vou entregar minha bunda aos seus cuidados, mas hoje eu vim pelos exames ginecológicos.

Assim, a Dra. Valéria e a amiga Carolina, ou Carol, montaram uma agenda para resgatar a bunda que se foi e ainda carregou a autoestima de uma Carol, agora, cheia de expectativas.

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JOSÉ EPIFANIO PARENTE AGUIAR

Sou um Baby Boomer, portanto um véi esquisito para as gerações X, Y, Z e um monstrengo para a geração Alfa.

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