Duas advogadas e um cientista da computação (companheiro de uma das advogadas), presos em Fortaleza na Operação Entre Lobos, na última terça-feira (22), são apontados pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) como responsáveis por uma empresa de fachada, que teria lucrado mais de R$ 4,6 milhões com golpes contra idosos.
A reportagem apurou que o casal formado pela advogada Laliani Correia de Arruda e pelo cientista da computação Osvaldo Janeri Filho foi preso em um apartamento na Rua Silva Paulet, no bairro Dionísio Torres. Já a advogada Thaís de Mendonça Angeloni foi detida em um apartamento na Rua Monsenhor Catão, no bairro Aldeota.
O trio foi alvo de mandados de prisão preventiva, expedidos pela Vara Estadual de Organizações Criminosas, da Justiça de Santa Catarina, pelos crimes de integrar organização criminosa, estelionato (em razão dos golpes), lavagem de dinheiro e patrocínio infiel.
Segundo o Código Penal Brasileiro, o crime de patrocínio infiel significa “trair, na qualidade de advogado ou procurador, o dever profissional, prejudicando interesse, cujo patrocínio, em juízo, lhe é confiado”.
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mandados de busca e apreensão também foram cumpridos em Fortaleza, para desarticular o esquema criminoso. Os alvos foram imóveis em que os suspeitos moravam, três escritórios de advocacia e duas empresas
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As defesas dos suspeitos não foram localizadas pela reportagem para comentar sobre a prisão e a Operação. Uma mensagem foi enviada para o WhatsApp de um escritório dos investigados, mas não houve retorno, até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto para futuras manifestações.
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Qual a função de cada investigado
Conforme documento obtido pelo Diário do Nordeste, Osvaldo Janeri Filho era o “principal articulador do esquema em Fortaleza”, atuando como gestor da empresa de fachada BrasilMais Precatórios e como sócio dos escritórios Urqueta Advocacia e Janeri & Angeloni Assessoria.
“Ele coordenava a equipe, os processos, as finanças e a comunicação da rede IDAP/Janeri Angeloni, controlando os recursos financeiros das empresas e planejando investimentos. Além disso, atuava como sócio operacional e técnico da filial da Urqueta em Fortaleza”, descreve o documento da Vara Estadual de Organizações Criminosas de Santa Catarina.
Segundo as investigações, Osvaldo Janeri era uma espécie de “braço direito” do principal líder da organização criminosa, Júlio Manuel Gómez Urqueta Júnior, proprietário do escritório Urqueta Advocacia – com atuação em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Maranhão e Alagoas.
A advogada Laliani Correira Arruda, companheira de Osvaldo Janeri, é indicada pela Vara Estadual de Organizações Criminosas como proprietária da empresa BrasilMais Precatórios.
“Observa-se que Laliani atuava, em tese, como representante legal da empresa, assinando documentos financeiros essenciais, como prestações de contas, e possuía acesso direto a informações financeiras e operacionais detalhadas, as quais eram compartilhadas por seu esposo, beneficiando-se diretamente dos lucros gerados”, descreve a Vara.
As investigações demonstraram que ela detinha profundo conhecimento sobre o modus operandi do grupo, incluindo as estratégias de abordagem a clientes vulneráveis, além de manter parceria com Júlio, com quem almejava e estruturava a criação de outro escritório em Fortaleza/CE. Ademais, verificou-se que ela representa formalmente a empresa na assinatura dos contratos de cessão com as vítimas.”
Já a advogada Thaís de Mendonça Angeloni representava legalmente a empresa BrasilMais Precatórios, “atuando como procuradora em diversos processos – inclusive naqueles voltados à homologação de cessões de crédito provenientes do escritório Urqueta Advocacia”, segundo o documento. Ela também é sócia de Osvaldo no escritório Janeri & Angeloni Assessoria.
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Mandados de busca e apreensão foram cumpridos em residências dos investigados, na Operação Entre Lobos
Divulgação/ MPSC
A investigação do Ministério Público de Santa Catarina apontou que o BrasilMais Precatórios era uma empresa de fachada, utilizada pela organização criminosa para representar legalmente e ludibriar os idosos.
R$ 5,1 milhões
foram liberados pela Justiça para a empresa BrasilMais Precatórios, com sede em Fortaleza. Conforme as investigações, os idosos receberam somente R$ 503.750, equivalente a 9,86% do valor devido – uma apropriação de cerca de R$ 4,6 milhões.
Como eram aplicados os golpes
O Ministério Público do Ceará (MPCE), que participou da Operação Entre Lobos, detalhou que a investigação começou há quase um ano, a partir de denúncias que apontavam a exploração financeira de vítimas por meio de cessões de crédito judicial. “A organização criminosa abordava vítimas, predominantemente idosos e aposentados, em suas residências ou por outros meios, oferecendo a propositura de ações revisionais de contratos bancários”, descreve.
Após o ajuizamento dessas ações, muitas vezes sem o devido discernimento dos clientes e sem qualquer informação sobre o processo, as vítimas eram induzidas em erro e ludibriadas a assinar contratos de cessão dos valores de direitos judiciais, resultantes das ações propostas, às empresas de fachada que integravam a organização criminosa.”
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O Ministério Público de Santa Catarina explicou o passo a passo de como aconteciam os golpes contra idosos, em todo o Brasil
Divulgação/ Ministério Público de Santa Catarina
A captação de vítimas ocorria principalmente pela internet, inclusive com o uso do nome do Instituto de Defesa do Aposentado e Pensionista (IDAP) – uma fachada institucional para direcionar as vítimas ao esquema fraudulento, segundo o MPCE. As vítimas entravam no site e assinavam os documentos necessários para a organização criminosa ajuizar a ação.
“As cessões de crédito eram firmadas por valores significativamente abaixo dos montantes reais a receber nas ações judiciais. A análise dos dados coletados durante a investigação revela a dimensão da exploração praticada contra as vítimas, com idade média de 69 anos. As vítimas eram levadas por integrantes do grupo a cartórios para reconhecimento de firma, visando dar aparência de credibilidade à negociata espúria”, acrescentou o Órgão Acusatório.
A Operação cumpriu 13 mandados de prisão e 35 mandados de busca e apreensão, nos estados de Santa Catarina, Ceará, Rio Grande do Sul, Bahia e Alagoas, além da apreensão de 25 veículos e do bloqueio bancário de R$ 32 milhões. O Ministério Público dos outros estados, polícias Civil e Militar e a Perícia Forense também colaboraram com a operação.
O esquema criminoso fez ao menos 251 vítimas, espalhadas pelo Brasil. Entretanto, os investigadores acreditam que esse número pode chegar a mais de 1 mil vítimas.
O Ministério Público do Ceará orienta que “pessoas que se identificarem como vítimas do esquema devem procurar a Delegacia de Polícia Civil mais próxima para registrar um boletim de ocorrência, o qual será posteriormente encaminhado ao Ministério Público para as providências cabíveis”.
Conforme o Ministério Público de Santa Catarina, o nome da Operação foi escolhido para “refletir a gravidade e a natureza predatória dos crimes investigados. O nome faz alusão ao abuso de confiança praticado por criminosos que extrapolavam a função de advogado que, traindo a ética da boa advocacia, ao invés de defender os interesses de seus clientes – em sua maioria idosos e vulneráveis -, apropriaram-se de valores de forma fraudulenta, atuando como verdadeiros predadores”.
“Além disso, o nome da operação presta homenagem a uma das vítimas falecidas durante a investigação, de sobrenome “Wolf”, que remete ao termo “lobo” em inglês. O nome também simboliza uma homenagem a outras vítimas fraudadas que, infelizmente, vieram a óbito durante a investigação sem receber o que era devido”, completa o Órgão.