Uma nova espécie de cacto, menor do que outros mais comuns no Ceará, foi descoberta durante uma expedição de pesquisadores botânicos ao sertão do Estado. Embora a descoberta tenha sido animadora, a planta já foi considerada ameaçada de extinção por conta de sua ocorrência restrita a poucas localidades.
A espécie foi batizada de Tacinga mirim – esta segunda palavra, na língua indígena nheengatu, quer dizer “pequena” – e é classificada como uma versão em miniatura da Tacinga palmadora, conhecida no Nordeste como palmatória. Essa confusão inicial, inclusive, foi o motivo de ela não ter sido catalogada antes.
Em 2009, durante um inventário botânico em Santa Quitéria, um grupo de pesquisadores se deparou pela primeira vez com o cacto de menos de um metro de altura. Na época, porém, eles o identificaram equivocadamente como o T. palmadora.
Já em dezembro de 2022, outra viagem percorreu Santa Quitéria, Canindé e áreas adjacentes. Nas duas expedições, estava o biólogo Marcelo Oliveira Teles de Menezes, professor do campus Fortaleza do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE).
Segundo ele, a nova espécie catalogada “sempre foi conhecida pelos povos originários e comunidades tradicionais da região”, mas cientificamente só foi estudada pela primeira vez há 13 anos – e mesmo assim confundida com a palmatória.
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Em 2021, o botânico britânico Nigel Taylor, que promoveu a expedição de 2009, estava revisando dados dos cactos brasileiros e cogitou pela primeira vez que as plantas de Santa Quitéria poderiam pertencer a uma espécie diferente.
“Entramos em acordo que seria interessante reavaliar a identidade delas de forma mais criteriosa. Somente no fim de 2022, a mesma população estudada anteriormente foi revisitada para sanar essa dúvida”, explica Marcelo.
As análises morfológicas (na aparência) e cromossômicas foram feitas em parceria com a pesquisadora Lânia Isis Ferreira Alves, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), e confirmaram se tratar de uma espécie ainda não catalogada pela ciência. O estudo foi publicado oficialmente em 2024.
A nível mais profundo, a palmatória tem 22 cromossomos, enquanto a planta menor apresenta 44. O T. mirim também tem menor densidade de espinhos (máximo de três por aréola, contra sete da outra), bem como flores ligeiramente maiores e bem abertas.
Legenda:
Foto:
Quadro demonstrativo das partes do Tacinga mirim
Acervo do pesquisador Marcelo Teles
Ameaça de extinção
A principal população do T. mirim está na localidade de Piabas, em Santa Quitéria, mas outra foi encontrada na reserva privada Imburanas da Volta, em Canindé.
Essa restrição geográfica – de apenas 36 km² – é um dos motivos para cogitar sua inclusão na categoria “Ameaçada” da Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). Até o momento, ela ainda não foi avaliada formalmente.
Segundo o professor Marcelo Teles, como a planta foi descrita há pouco tempo, é preciso aprender mais sobre a espécie, inclusive sobre sua distribuição geográfica. Por isso, sua preservação é essencial.
Contudo, há muitos desafios. De acordo com o Projeto MapBiomas, os municípios em que o T. mirim ocorre sofreram perda de vegetação natural variando de 4 a 16% de extensão entre 1985 e 2022, tendo como principal causa o desmatamento associado à agricultura e à pecuária.
O pesquisador aponta algumas hipóteses para essa restrição:
- Espécie “novata”: como o processo evolutivo é dinâmico, ela pode ter se originado há pouco tempo (ou está em pleno processo de especiação) e ainda não teve oportunidade de se dispersar para outros ecossistemas/regiões
- Habitat muito restrito e/ou um nicho ecológico muito específico
- Degradação dos ecossistemas: devido à perda de habitat, algumas espécies estão entrando em processo de extinção
“Daí a importância de estudar e proteger a Tacinga mirim: precisamos confirmar se ela realmente tem a distribuição restrita ao sertão cearense e, se for o caso, compreender porque sua distribuição é tão restrita e adotar medidas de proteção para evitar sua extinção”, alerta.
Legenda:
Foto:
Cacto tem menos espinhos por cada aréola (ponto de crescimento) em comparação à palmatória
Acervo do pesquisador Marcelo Teles
Por que preservar os cactos da caatinga?
A proteção de espécies de cactos não se limita ao conhecimento científico descrito nos estudos: essas plantas desempenham um papel importante na caatinga, uma região com clima predominantemente semiárido. No Ceará, por exemplo, o regime de chuvas se concentra no primeiro semestre, deixando o segundo à mercê da estiagem.
Marcelo Teles lembra que, sem água, poucas plantas conseguem fazer fotossíntese e a maior parte da vegetação entra em um “estado de dormência” até que volte a chover. Assim, todo o ecossistema reduz sua atividade, pois os recursos vegetais são a base das redes alimentares.
Os cactos fazem parte de um pequeno conjunto de plantas que, por meio de diferentes estratégias fisiológicas, conseguem fazer fotossíntese durante todo o ano, inclusive durante a estação seca. Eles literalmente armazenam água para usar quando não está chovendo.
Graças a esse estoque de água, os cactos ajudam a manter a oferta de recursos alimentares (tecidos suculentos, néctar, pólen e frutos) para animais herbívoros e onívoros durante toda a estação seca.
Além disso, mantêm condições favoráveis para microrganismos ao redor de suas raízes. “Sem os cactos para oferecerem esses recursos na estação seca, todo o funcionamento ecológico da caatinga fica comprometido, incluindo a capacidade do solo de manter sua fertilidade natural”, garante o pesquisador.
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