‘PEC do Calote’: entenda como a emenda dos precatórios pode afetar pagamentos no Ceará – Ceará

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Uma alteração à Constituição Brasileira promulgada na última terça-feira (9) tem sido alvo de protestos de professores do Ceará. A Emenda Constitucional 136, oriunda da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 66, muda as regras sobre o pagamento de precatórios, com o intuito de aliviar a situação fiscal de estados e municípios.  

Entre as mudanças, a emenda estende o prazo que os entes têm para efetuar os pagamentos, limita o percentual de receita que o poder público pode direcionar anualmente aos precatórios e altera o índice que baseia a correção monetária dos valores.  

Por definição do Conselho da Justiça Federal (CJF), precatórios são “requisições de pagamento expedidas pela Justiça para determinar que um órgão ou entidade pública pague determinada dívida, resultante de uma ação judicial para a qual não cabe mais recurso”.

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No Ceará, professores da rede estadual e das municipais têm recebido, de forma parcelada, os valores referentes a ações judiciais – e questionam a aprovação da emenda, chamada pela categoria e por apoiadores de “PEC do Calote”.  

Ainda no dia 9 deste mês, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) com pedido de medida cautelar no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a Emenda Constitucional 136.  

O advogado Fabiano Lima, presidente da Comissão de Credores e Precatórios da OAB Ceará, explica que o dispositivo é considerado ilegal pela instituição porque “viola a coisa julgada, o direito adquirido”.   

“A OAB entende que a dívida já está consolidada, é fruto de decisão transitada em julgado. A mudança da constituição alterando a forma de pagamento viola isso. Na pior das hipóteses, deveria ser só para o futuro, para precatórios que ainda serão expedidos”, frisa.

O Diário do Nordeste procurou o Governo do Estado do Ceará e a Prefeitura de Fortaleza para saber quais os impactos da emenda nos pagamentos locais. O Município afirmou, por meio da Procuradoria Geral (PGM), que só se pronunciaria sobre o caso posteriormente.  

Já a Procuradoria Geral do Estado (PGE) informou, em nota, que a emenda, “em princípio, não afetará o cronograma de pagamentos dos precatórios do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef)”.

O Fundef foi extinto em 2007 e substituído pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

“Isso porque a regra de pagamento dos precatórios do Fundef e seu parcelamento são regidos por dispositivo constitucional próprio, que já estabelece um cronograma específico de pagamento”, complementa o órgão.  

Para Anízio Melo, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos lotados na Secretaria de Educação do Ceará e nas municipais (Apeoc), “novas ações do Fundef, que ainda não foram expedidas, terão, sim, prejuízo”. O advogado Fabiano Lima acrescenta que os juros incidentes sobre os pagamentos também terão interferência da emenda.

O que a Emenda 136 muda

Além de dilatar prazos, a emenda tira os precatórios do limite de despesas primárias da União a partir de 2026, ou seja, os pagamentos não entram no teto de gastos do Governo Federal. A partir de 2027, porém, a cada ano, 10% do estoque de precatórios serão inseridos nas metas fiscais previstas pela Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).  

Publicação oficial do Senado Federal resume que, “na prática, a retirada dos precatórios do limite ajuda o Governo Federal a cumprir a meta fiscal do próximo ano (R$ 34 bilhões ou 0,25% do PIB projetado de 2026)”, e acrescenta que “o total de precatórios inscritos para 2026 é de cerca de R$ 70 bilhões (em todo o Brasil)”.  

O Senado Federal lista ainda as principais mudanças trazidas pela Emenda Constitucional 136:

  • Expedição de precatórios: data-limite para apresentação dos precatórios sem possibilidade de recurso para inclusão no orçamento e pagamento até o término do ano seguinte foi antecipada para 1º de fevereiro. Antes, era 2 de abril. Precatórios inscritos após a data-limite só são pagos cerca de dois anos depois.
  • Correção monetária: para precatórios e requisições de pequeno valor (RPVs), passa a ser pelo IPCA (inflação), com juros simples de 2% ao ano. Se ultrapassar a Selic, vale a Selic;
  • Limite de gastos: o pagamento dos precatórios fica limitado ao estoque em atraso – de 1% da Receita Corrente Líquida (RCL) se a dívida do Estado ou Município for até 15%, subindo até 5% quando passar de 85%. O cálculo considera correção e juros. A partir da promulgação, a regra atual de 1/12 da RCL para pagamento de precatórios deixa de valer. Precatórios inscritos após a emenda já estão sob as novas regras.
  • Atrasos: a partir de 2036, se ainda houver atraso na quitação, os percentuais de pagamento sobem 0,5 ponto a cada dez anos, elevando o mínimo de 1% para 1,5% da RCL, e assim por diante. Além disso, o tribunal pode sequestrar contas do Estado ou Município, que fica sem transferências voluntárias ou emendas destinadas aos precatórios. O gestor responde por improbidade.
  • Negociação: credores podem receber precatórios via acordo direto com estados ou municípios, em parcela única até o ano seguinte, sem juros ou correção, e o valor sai do estoque da dívida do poder público imediatamente.
  • Débitos previdenciários: estados e municípios podem refinanciar dívidas com a União em até 300 parcelas;
  • Clima: de 2025 a 2030, a União pode usar até 25% do superávit de fundos públicos para ações climáticas e projetos estratégicos; não usados, os recursos retornam aos fundos a partir de 2031.

Professores reagem

O presidente da Apeoc define a medida como “uma tentativa de calote que traz angústia e insegurança” à categoria. “As dívidas que a União tem em relação às ações já definidas em precatórios, assim como Estados e Municípios, devem ser respeitadas, cumpridas e pagas”, reforça.  

Anízio destaca ainda a insatisfação com as demais modificações definidas pela emenda constitucional, e estima que a “dilatação do prazo de pagamento por tempo indeterminado faz com que a fila aumente, protelando por até 10 anos algo que já é moroso”. O tempo de uma década é uma estimativa do professor.  

“A PEC 66 (que já se tornou Emenda Constitucional 136) é uma fração do ataque geral que se dá em relação aos precatórios. Se soma ao de prefeitos e governadores. Os valores são indenizatórios e que nós conquistamos”, critica Anízio.

Fabiano Lima, da OAB/CE, avalia a emenda como um “retrocesso”. “A gente vinha com algumas reformas prejudiciais, mas tinha uma data limite para pagamento dos precatórios, que era 2029. A Emenda tira esse prazo, prorroga por tempo indeterminado. É o pior ponto”, analisa.  

A reportagem tentou contato com a representação do Sindicato União dos Trabalhadores em Educação do Município de Fortaleza para ouvir as reivindicações sobre os precatórios a serem pagos pela prefeitura, mas as ligações não foram atendidas.

Em Fortaleza, uma ação judicial movida pelo Município contra a União em 2022 para correção dos repasses do Fundeb, pagos em menor valor no período de 2017 a 2020, já tem decisão favorável. Contudo, a atual gestão atual busca agilizar o pagamento dos precatórios.

O que é o Fundeb?

O Fundeb é um Fundo especial redistribuído aos Estados, Distrito Federal e Municípios para aplicação exclusiva na manutenção e no desenvolvimento da educação básica pública, bem como na valorização dos profissionais da educação.

Na prática, os Municípios utilizam os recursos provenientes do Fundeb na educação infantil e no ensino fundamental; e os Estados, no ensino fundamental e médio.

A distribuição é realizada com base no número de alunos da educação básica pública, de acordo com dados do último Censo Escolar, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep).

Conforme a legislação, pelo menos 70% dos recursos devem ser destinados à remuneração dos profissionais da educação básica em exercício. A fração restante deve ser aplicada nas demais ações de manutenção e desenvolvimento da educação básica.

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