Brigas entre supostas torcidas organizadas de futebol têm aumentado e assustado a população cearense, em 2025. A Polícia Civil do Ceará (PCCE) já identificou a atuação de organizações criminosas dentro das torcidas organizadas. O Ministério Público do Ceará (MPCE) também trabalha para separar “o joio e o trigo” dos coletivos de torcedores, impedir a entrada de criminosos em eventos esportivos e restabelecer a paz no futebol.
Na última terça-feira (4), o Governo Estadual anunciou a implantação do reconhecimento facial nas finais do Campeonato Cearense de Futebol, marcadas para os dias 15 e 22 de março deste ano. A tecnologia é tratada como a principal medida do Estado para evitar o ingresso de criminosos nos estádios e será ampliada para outros espaços públicos, como praças, terminais rodoviários e até mesmo hospitais.
Porém, a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco), da Polícia Civil, já investiga grupos criminosos, infiltrados nas torcidas organizadas, que podem responder pelo crime de integrar organização criminosa – que tem pena de 3 a 8 anos de prisão, prevista pela Lei nº 12.850/2013.
“Eles vão ter um tratamento que eles mesmos estão se colocando. É o mesmo tratamento de membros de organizações criminosas. Então, as operações que vocês enxergam acontecendo contra facções criminosas, elas vão ser repetidas contra integrantes de torcidas que, de forma permanente, se associam para cometer crimes”, revela o titular da Draco, delegado Alisson Gomes.
A Draco começou a investigar a atuação de organizações criminosas após duas torcidas organizadas do Fortaleza Esporte Clube brigarem entre si, no jogo contra o Corinthians (Sport Club Corinthians Paulista), em São Paulo, em setembro de 2023. As duas torcidas voltaram a brigar em uma partida de futsal, no Centro de Formação Olímpica (CFO), em Fortaleza, em março de 2024.
O primeiro resultado do trabalho da Draco foi a deflagração da Operação Cartão Vermelho, no último dia 29 de janeiro. Nove mandados de busca e apreensão foram cumpridos contra membros das duas principais torcidas organizadas do Fortaleza, na Capital e em Caucaia. Roupas das torcidas organizadas e aparelhos celulares foram apreendidos. Com o aprofundamento da investigação, os suspeitos podem ser indiciados por integrar organização criminosa.
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Itens de torcida e outros objetos foram apreendidos pela Polícia Civil
Divulgação/SSPDS
Alisson Gomes revela que o foco da Polícia Civil do Ceará “não é punir a torcida organizada propriamente dita, e sim ir exatamente em cima da parcela de torcedores que usa a estrutura da torcida para cometer crime. Eles se articulam, se organizam, dividem tarefas, viajam para outros estados, se associam a outras torcidas organizadas, como, por exemplo, aconteceu em Pernambuco, para promover diversos crimes”.
O conceito de organização criminosa não remete apenas às facções criminosas (que disputam território pelo tráfico de drogas no Ceará), ressalta o delegado. As investigações da Draco não apontam influência de facções nas brigas entre as torcidas organizadas no Ceará, segundo Gomes: “A priori, não. Obviamente, em anos de experiência de investigações, a gente já prendeu ou aprendeu alguém que era de torcida organizada e eventualmente faccionado. Mas, um caso ou outro pontual, nada que se destaque a ponto de a gente declinar que uma coisa está diretamente ligada à outra”.
Divergências internas e surgimento de ‘bondes’
Neste ano de 2025, já foram registrados pelo menos quatro episódios de violência ligados a torcidas organizadas, no Ceará. O primeiro se deu entre as duas principais torcidas organizadas do Fortaleza, no Estádio Domingão, em Horizonte, no dia 25 de janeiro. No dia seguinte, torcidas do Ceará Sporting Club também brigaram no Estádio Presidente Vargas, em Fortaleza.
Torcedores voltaram a se digladiar no último domingo (2), nas ruas do bairro Parque Dois Irmãos, em Fortaleza, assustando moradores da região. Já na quinta-feira (6), cinco torcedores do Ceará foram presos e um adolescente foi apreendido pela Polícia Militar do Ceará (PMCE), por estarem armados com artefatos explosivos e pedras para atacarem um ônibus da torcida do CSA (Centro Sportivo Alagoano), após um jogo da Copa do Nordeste.
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Policiais militares escoltavam ônibus de torcida do CSA quando visualizaram grupo armado com artefatos e pedras para cometer ação criminosa
Divulgação/ PMCE
As investigações sobre as duas primeiras ocorrências apontam para conflitos motivados por disputa de poder e prestígio. O Núcleo do Desporto e Defesa do Torcedor (Nudtor), do Ministério Público do Ceará, identificou ainda que divergências criadas dentro das principais torcidas organizadas de Ceará e Fortaleza geraram dissidências e o surgimento de “bondes” – que são grupos mais violentos e que não respondem às ordens da diretoria das torcidas organizadas oficiais. Algumas torcidas já começaram a expulsar integrantes que participam das brigas, nos últimos meses, mas eles continuam a ir aos estádios.
O coordenador do Nudtor, promotor de Justiça Edvando França, pondera que as torcidas organizadas de Ceará e Fortaleza são referências em festas nas arquibancadas: “O Ministério Público do Ceará senta com esse pessoal para dialogar, há uma troca de de informações, até porque eles próprios não têm interesse em tumulto. Quando ocorre um tumulto, eles são prejudicados. Mas, dentro da organizada, como em toda instituição, tem a situação e a oposição. Tem a diretoria e os seus membros e tem aqueles que fazem a oposição, que não querem se identificar”.
Para Edvando França, o Ministério Público está “conseguindo separar ‘o joio e o trigo’. A gente tá conseguindo entender quem é torcida organizada, legalmente constituída, que senta com a gente, que faz a festa. E aqueles que fazem parte da associação, mas não concordam com eles (diretores) e protagonizam o confronto. A gente chama de ‘bondes’. Para eles, é muito interessante protagonizar a violência. Eles vivem no anonimato e, de quebra, quem vai ser punida é a torcida organizada, de quem eles estão fazendo oposição à diretoria”.
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Estratégias para diminuir a violência
O promotor de Justiça Edvando França espera que a identificação facial, que será instalada na Arena Castelão, seja “um divisor de águas” no combate à violência no futebol. “Quem protagoniza essa violência não vai mais ficar no anonimato. Isso é importante porque o que gera violência é impunidade. Se você não fizer o cadastro, você não entra no estádio”, pontua.
O delegado Alisson Gomes explica que a tecnologia “vai permitir que a Polícia Civil tenha uma maior facilidade em identificar as pessoas que respondem a crimes, as pessoas que frequentam o estádio e têm um mandado de prisão em aberto. Isso também vai otimizar o tempo na identificação dos autores de crimes”.
Um empecilho para a identificação facial é que, em alguns jogos do Castelão, dezenas de torcedores pulam as catracas. Edvando França afirma que a estratégia de “balizamento”, que já é utilizada, tem o objetivo de evitar aglomerações nas catracas e irregularidades na entrada de torcedores. “Balizamento é uma estrutura de gradil bem reforçado. Isso já começa lá fora do estádio. A multidão entra fazendo círculos. É tudo monitorado por policiais, até chegar na catraca”, aponta.
“Agora, esse planejamento custa caro e o clube que tem que se assumir essa responsabilidade. Porque se ele não assumir isso, ele vai ter prejuízo financeiro e ainda vai ser responsabilizado pela violência, por omissão”, afirma França.
Outra estratégia aguardada pelas autoridades para devolver a paz aos estádios é a criação de um Núcleo de Proteção ao Torcedor, dentro da Polícia Civil do Ceará, o que foi anunciado pelo governador Elmano de Freitas (PT), no fim de 2024.