Em artigo elaborado para esta coluna, o diretor-superintendente e presidente emérito da Abit, Fernando Valente Pimentel, elogia os programas sociais do governo, mas adverte:
“O suporte social é essencial, mas deve ser acompanhado de mecanismos que incentivem a mobilidade social e a autonomia, e não a dependência.”
A seguir, o artigo de Fernando Pimentel:
“O Brasil, dentre os países de renda média, destaca-se por manter um dos maiores e mais amplos programas de suporte social do mundo. De fato, essa extensa rede de proteção é, em grande medida, uma resposta necessária à profunda desigualdade que marca nossa história e estrutura social. Nenhuma sociedade pode considerar-se justa ou estável quando grande parte da sua população vive em situação de vulnerabilidade crônica. Portanto, é legítimo — e muitas vezes indispensável — que o Estado atue para mitigar essas distorções.
“No entanto, é preciso enfrentar uma questão delicada, mas fundamental: a sustentabilidade e os efeitos colaterais das políticas públicas, especialmente aquelas que envolvem gratuidades ou subsídios amplos. É natural que essas medidas venham embaladas por boas intenções. Porém, como sabemos, propósitos positivos não bastam, principalmente quando não se comunicam com a realidade econômica, com a lógica dos incentivos e com a necessidade de manter um pacto social coerente e transparente.
“Tomemos como exemplo uma política de isenção de tarifas de serviços públicos. A gratuidade concedida a um grupo social específico não elimina o custo daquele serviço. Apenas o transfere. Se uma parcela da população deixa de pagar, outra arcará com o valor correspondente, seja via aumento de tarifas, repasse tributário ou pressão inflacionária indireta sobre bens e serviços.
“Esse efeito distributivo invisível precisa ser explicitado. Quando o custo recai sobre setores produtivos, como a indústria, ele inevitavelmente converte-se em preços mais altos para toda a cadeia de valor, inclusive para os próprios beneficiários da política pública. Ou seja, em vez de representar um alívio estrutural, a medida pode transformar-se num ciclo vicioso de perda de poder aquisitivo e desestímulo à formalização da economia.
“O mesmo raciocínio vale para políticas que, sem querer, desestimulam a inserção no mercado formal de trabalho. O suporte social é essencial, mas deve ser acompanhado de mecanismos que incentivem a mobilidade social e a autonomia, e não a dependência. O verdadeiro sucesso de um programa social é sua obsolescência: ele deve existir para que, um dia, não precise mais existir.
“A transparência sobre quem paga a conta — e como — é essencial para que a sociedade possa fazer escolhas conscientes. Não se trata de negar a importância dos programas sociais, mas de compreender que não há “almoço grátis”. Cada isenção, subsídio e gratuidade carrega consigo um custo que, de um modo ou de outro, será distribuído entre nós.
“É hora de termos esta conversa com maturidade. Não para reduzir o alcance do necessário, mas para garantir que o necessário não seja sustentado por ilusões. As responsabilidades fiscal e social devem andar juntas. De outra forma, acabaremos dando com uma mão e tirando com a outra, num círculo de boas intenções que, sem gestão clara e comunicação honesta, pode tornar-se um obstáculo ao próprio desenvolvimento que buscamos promover.”
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