O dilema do veterano diante da nova liderança – Delania Santos

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Em muitas empresas, especialmente as que cresceram sob a condução direta de seus fundadores, há figuras que simbolizam a própria história do negócio. São os veteranos, profissionais que acompanharam cada fase, cada conquista e cada tropeço da organização.

Eles conhecem as pessoas, os processos e, em alguns casos, sentem-se parte da própria identidade da empresa. Até que ponto isso é bom para o crescimento do negócio?

Isso é excelente! Dependendo da cultura organizacional. Se a cultura for permissiva, isso pode ser muito ruim para a competitividade da empresa. Uma empresa que desconsidera completamente a meritocracia em detrimento do tempo passa uma mensagem de acomodação que se sobrepõe aos resultados necessários.

Nessas empresas, é comum encontrar líderes que têm dificuldade de exercer seu papel porque cada decisão precisa ser “traduzida” para o colaborador antigo ou porque qualquer mudança é vista como uma afronta à história. 

A consequência é o engessamento: a empresa para de evoluir, o time deixa de aprender e a liderança perde força. Já nas organizações que cultivam uma cultura saudável, a experiência é vista como ativo, não como poder. O profissional sênior é reconhecido pelo conhecimento que compartilha, não pelo controle que exerce.

Quando um novo líder assume, é mais jovem, com menos tempo de casa e, muitas vezes, com uma visão diferente sobre gestão, surge um dilema silencioso. Como liderar quem viu a empresa nascer sem desrespeitar sua história, mas também sem renunciar à autoridade necessária para conduzir o futuro?

E quando esse funcionário com muitos anos de empresa é apegado às velhas práticas e ao conhecimento que adquiriu? 

Frases como: “Já vi isso ser tentado aqui várias vezes e não deu certo!”, “Pode deixar, eu sei qual é o meu trabalho. Não preciso de ninguém me cobrando!” ou ainda: “Falei com o Sr. Fulano, ele já sabe o que estou fazendo!”

Soam como pequenas punhaladas na autoridade do novo líder. Representam, na prática, os principais desafios de quem precisa conduzir times com profissionais experientes que, ao se sentirem ameaçados, adotam posturas difíceis de lidar:

  • Bypass: reportam-se diretamente ao dono ou ao fundador, driblando a hierarquia.
  • Isolamento: trabalham de forma autônoma, ignorando orientações da liderança.
  • Questionamento constante: desafiam decisões com base em experiências passadas.
  • Desqualificação sutil: comparam o novo modelo de gestão com o “tempo em que tudo funcionava melhor”.

Esses comportamentos, embora desgastantes, costumam ter origem no medo de perder espaço, relevância ou reconhecimento. Às vezes, reagem tentando manter o controle sobre tudo o que domina há anos. São comportamentos que não nascem da má intenção, mas do medo de perder o lugar que sempre ocupou.

É papel do líder que está assumindo essa posição entender antes de confrontar. Embora pareça ser uma missão difícil e desgastante, vale a pena considerar que essa pessoa contribuiu por muito anos para a organização e tem o seu valor. Não se trata de ‘aceitar’ um comportamento desrespeitoso, mas de ver além da superfície. 

E o que o líder deve fazer diante desse dilema?

Liderar um veterano não é uma questão de autoridade, mas de inteligência relacional. Exige compreender que o respeito não se impõe, conquista-se. O líder precisa agir com estratégia e coerência. Nem se submeter ao medo de desagradar, nem tentar afirmar poder de forma rígida. O caminho está no equilíbrio.

Não rotule! 

Este é o passo mais importante. Muitos líderes não se dão ao trabalho de conhecer e compreender seus profissionais; partem direto para rótulos injustos, como: “já tem muito tempo de casa!”, como se isso, por si só, fosse um problema. Ser um colaborador antigo não é um problema e nunca será.

Comece pela escuta.

Antes de mudar processos ou desafiar práticas antigas, ouça a história. Entenda o que foi tentado, o que funcionou e o que não deu certo, mas não se prenda a isso. A escuta abre portas onde a imposição cria muros.

Reforce o propósito e o porquê das mudanças.

O colaborador precisa compreender que não se trata de desmerecer o passado, e sim de preparar o futuro. Quando entende o propósito por trás das decisões, ele tende a colaborar mais e resistir menos.

Estabeleça limites claros, com respeito.

A proximidade não pode anular a hierarquia. Forçar intimidade não resolverá o problema; pelo contrário, aumentará! O diálogo deve ser constante, mas a responsabilidade pela decisão final é sempre do líder. Clareza é respeito.

Valorize o conhecimento histórico, mas estimule a atualização.

O poder ser uma ponte entre gerações, desde que entenda que sua experiência é útil quando compartilhada e não quando usada como argumento de autoridade. Incentive-o a ensinar, participar e aprender também.

Crie alianças, não disputas.

Traga o liderado para perto. Peça sua ajuda em projetos que valorizem sua bagagem. Isso reduz resistências e o transforma em aliado, não opositor.

Tenha paciência e firmeza.

Mudar dinâmicas enraizadas leva tempo. Haverá ruído

s, desconfortos e até retrocessos. O segredo é não personalizar as resistências e manter o foco no papel de líder: conduzir, mesmo quando não é popular fazê-lo.

No fim, liderança é sobre pontes, não muros. E as pontes mais sólidas são aquelas que unem a experiência de quem começou a caminhada à energia de quem chega para continuar a jornada.

Nesta coluna, trarei reflexões sobre carreira, liderança, coaching e tendências que impactam o mundo do trabalho. Sua participação é muito bem-vinda! Comente, envie sua pergunta ou fale comigo pelo Instagram: @delaniasantosds. Aproveite para se inscrever no canal do YouTube: @delaniasantosds. Será um prazer ter você comigo nessa jornada. Até a próxima!

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião da autora. 

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