Esses dias andei visitando uns acervos históricos de bibliotecas digitais, “paginando” folhas virtuais e experimentando uma série de conteúdos que, agora por meio da internet podemos ter acesso, e que trazem o passado de volta. Paradoxal e contraditório buscar o passado no ambiente hiperconectado? Pra mim não. Pensei sobre isso, mas fiz devaneios bem maiores sobre o tempo, o nosso tempo.
Quantas vezes na vida paramos para pensar como o tempo se reflete nas categorias de existência que habitam em nós? E também sobre os clichês do tempo: que passa rápido, que não volta. Na saudade que ele ora leva, ora traz. Às vezes para sempre, às vezes nunca mais. Quando já é tarde? Amanhã é ‘muito esperar’ ? Ontem fica ou se vai? Hoje é o que temos? “A cada dia basta o seu mal” – é bíblico!
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Pensar sobre o tempo é saber que o movimento da vida é muito mais instigante quando nos emociona. Eu sei que às vezes isso dói. Por aqui também. Mas será que sair do automático num mundo (irritantemente) conectado é nosso desafio neste agora? Nessa constante contagem do tempo – novo ano, novo mês, novo dia – paro pra pensar em como a dança (ou tropeço) do tempo altera nossas sensações, e algumas vezes o que passa pela memória também é coisa de pele.
Nosso corpo tem um constante movimento embalado pelo tempo, e eu nem me refiro a pressões e padrões, falo mesmo é sobre as mudanças de cada dia, na pele ressecada, no olhar brilhante, nas unhas crescidas com esmaltes aos pedaços ou no sorriso aceso em resposta a boas notícias. Arrepios na pele de medo, frio no estômago de amor. Na saudade que escorre pelos olhos ou amanhece em forma de sorriso. A todo instante nosso corpo muda aspectos, feições para nos ajudar a contar as nossas histórias – e nossas saudades também.
Essa relação saudade-mente-corpo-coração faz parte de mim desde sempre. Sou daquelas pessoas que ama um bem-guardado, uma fotografia antiga, uma narrativa de passado, uma fachada de casa tombada, discos e vitrola. Museu, memorial… Uma cidade histórica, uma cadeira de balanço na calçada, uma capa dura de livro retrô, uma novela do século passado, uma feirinha de antiguidades. Adoro repassar as páginas dos meus diários de adolescente – e meus blogs também – para pensar sobre quem fui, ainda sou e sentir um gosto bom de saudade.
Refletir sobre isso levou-me a pensar em como somos constantemente ensinados que a saudade dói, seja ela romantizada, à qual tivemos acesso nos livros, filmes e novelas ao longo da vida. Ou ainda a necessidade de falta que o mercado, a indústria, a tecnologia, até, tentam erguer em nós ao nos convencer de que é preciso ter pressa, que coisas logo ficam obsoletas e, por isso, precisamos estar numa eterna busca por uma felicidade inventada em folhetins.
Dei-me conta de que, há tempos, amo olhar por uma janela e deixar os pensamentos voarem em busca das minhas próprias lembranças de vida, desde os banhos de chuva na infância até as gargalhadas que dei nas últimas férias do mês passado. No banho de cachoeira, no caderno de poesia e desenho que criei pra ‘passar o tempo’ e na viagem-sonho pra onde volto vez ou outra.
Pensei em como a nossa própria história, às vezes tão atropelada pelo presente desenfreado, nos emociona, nos fortalece, nos faz gargalhar, nos faz pensar que muitos dos nossos medos eram só uma (boa) ilusão, mas que, há algum tempo, nos fazem entender que lembrar é um ato de coragem, afeto e resistência, e que nem toda saudade é sintoma de dor. Tantas vezes é motivo de gratidão.