Mais de 1,2 mil jovens foram apreendidos no Ceará em 2025; roubo e homicídio são principais crimes – Segurança

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As apreensões de crianças e adolescentes pela prática de atos infracionais acontecem diariamente no Ceará. Neste ano, mais de 1,2 mil jovens já passaram pelo Sistema Socioeducativo Estadual. Alguns deles já foram apreendidos mais de uma vez no ano corrente, o que eleva o número de recepções a mais de 1,5 mil no ano, segundo dados da Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas).

Os números de jovens apreendidos e de recepções totais, contabilizados pela Seas, reduziram gradualmente a cada ano, entre 2020 e 2024, no Ceará. A queda do primeiro índice foi de 25,4% e do segundo, 26,6%, no intervalo de 4 anos.

Confira o balanço dos últimos anos:

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Os dados da Seas também detalham os principais crimes cometidos pelos jovens apreendidos em 2025: 26,4% praticaram atos infracionais análogos a roubos (simples ou qualificado); 24%, atos análogos a homicídios (simples ou qualificado); e 20,7%, atos análogos ao tráfico de drogas.*

Crianças e adolescentes, ligados à criminalidade, acabam por assumir delitos que são cometidos em parceria com adultos ou são os “elos mais frágeis” de um grupo criminoso.

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recepções de jovens por atos infracionais são registradas por dia, em média, no Ceará, no ano corrente. O mês que teve mais recepções em 2025 foi maio, com 211 registros; e o mês que teve menos recepções, agosto, com 147 ocorrências. O mês atual de setembro já conta com 82 apreensões, até a última sexta-feira (12).

O coordenador do Comitê de Prevenção e Combate à Violência da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), sociólogo Thiago de Holanda, afirma que “crimes como o tráfico, o assalto, o furto, crimes contra o patrimônio, são os jovens que são aprendidos em flagrante, com pequena quantidade de droga ou com uma arma”.

Já “o homicídio requer uma investigação maior para poder realmente elucidar, fazer a denúncia e aquele jovem responder. Um adolescente não tem muito essa oportunidade de defesa, porque, muitas vezes, quando ele é apreendido, ele já desce para o (Sistema) Socioeducativo. As pessoas que têm mais de 18 anos podem responder a isso em liberdade”.

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Ocupação das unidades inferior a 50%

Apesar de 1.266 jovens terem passado pelo Sistema Socioeducativo neste ano, apenas 497 seguem apreendidos nas 19 unidades socioeducativas do Ceará, conforme dados da Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo da última sexta-feira (12).

1010 vagas

são disponibilizadas pela Seas, em 11 unidades na Capital e 8 no Interior. A taxa de ocupação atual é de 49,2%.

O Sistema Socioeducativo não registra homicídios desde o ano de 2022, segundo o monitoramento realizado pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca-CE). A Seas ressalta também a “redução a zero de crises graves, inexistência de tumultos ou rebeliões, e informa que não há superlotação”.

“Destacamos que a Seas realizou intervenções em todas as Unidades Socioeducativas, com o objetivo de fortalecer a integração entre os adolescentes e jovens, por meio de uma metodologia de atendimento que assegura tanto a segurança quanto a intervenção técnica”, declarou a Superintendência.

Audiências definem futuro dos jovens

A decisão sobre o destino dos jovens apreendidos cabe às Varas da Infância e da Juventude, da Justiça Estadual, que conta com a participação do Ministério Público do Ceará (MPCE) e da Defensoria Pública Geral do Ceará (DPCE). 

Os representantes dessas instituições têm que se preocupar com a lotação das unidades socioeducativas e ponderar fatores opostos: o risco que os adolescentes apreendidos representam soltos e a possibilidade de reinserção dos mesmos à sociedade.

Em casos “com violência ou grave ameaça”, os jovens são apreendidos provisoriamente e podem ser sentenciados com medidas de internação de 6 meses a 3 anos. A sentença pode ser cumprida mesmo se o jovem completar 18 anos de idade. 

“No flagrante, se não for caso de representação (de internação), o Ministério Público oferece uma medida de prestação de serviços à comunidade ou uma uma liberdade assistida, em meio aberto. É o chamado ‘pedido de remissão’, como se fosse um perdão. O juiz aceita esse pedido, em cerca de 90% dos casos”, explica o juiz da 5ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Fortaleza, Manuel Clístenes.

A Justiça reavalia a internação e o cumprimento das medidas socioeducativas a cada 6 meses. A reportagem acompanhou cinco audiências de reavaliação de medidas, realizadas na 5ª Vara da Infância e Juventude, em um dia no fim de junho deste ano (data preservada). Naquele dia, a Justiça decidiu por aplicar três medidas de liberdade assistida, manteve a internação de um adolescente e transferiu o outro jovem de unidade.

Legenda:

Audiências na 5ª Vara da Infância e da Juventude são conduzidas pelo juiz Manuel Clístenes

Foto:

Kid Júnior

Um adolescente de 14 anos (identidade preservada) contou, na audiência, que foi apreendido por denúncias de estupro de vulnerável (contra meninas de 11 anos e 17 anos), mas alegou que as relações sexuais foram consensuais. Ele também relatou que foi vítima de abuso sexual, quando criança. O jovem sofria ameaças de outros jovens do centro socioeducativo e utilizava remédios controlados. 

O juiz, o promotor de Justiça e o defensor público concordaram que a melhor medida, para o jovem, era a aplicação da liberdade assistida, com transferência para um abrigo – já que ele foi abandonado por pai e mãe -, no Interior do Ceará, para garantir a segurança do adolescente. Um “voto de confiança”, com a expectativa de que o jovem não volte a ser apreendido.

Já outro adolescente, de 17 anos (também com a identidade preservada), apreendido por um latrocínio (roubo seguido de morte), pediu aos representantes da Justiça para reverem a situação dele, pois era ameaçado de morte por vários internos no centro socioeducativo e tomava remédios ansiolíticos. Neste caso, devido à gravidade do crime, o juiz não concedeu a liberdade assistida, mas decidiu por transferir o jovem de unidade, para preservar a segurança dele.

Denúncias de irregularidades no Sistema

Em contrapartida à afirmação da Seas de que não há superlotação no Sistema Socioeducativo, uma comitiva coordenada pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) denunciou excesso populacional e problemas estruturais, como falta de água e presença de ratos, após inspecionar seis unidades socioeducativas em Fortaleza, nos dias 29 e 30 de julho deste ano.

A comitiva visitou os centros socioeducativos masculinos Canindezinho, Dom Bosco, Patativa do Assaré, São Francisco e São Miguel e a unidade feminina Aldaci Barbosa Mota. Conforme os dados da Seas daquele dia 29 de julho, a ocupação dessas unidades variava entre 32% (no São Miguel) e 94,6% (no Dom Bosco).

98,2%

é a ocupação do Centro Socioeducativo Dom Bosco, a mais alta do Estado, segundo o dado da Seas da última sexta-feira (12). A Unidade, que tem 56 vagas, já conta com 55 adolescentes – resta apenas uma vaga.

O conselheiro do CNDH, Diego Alves, afirmou ao Diário do Nordeste, em entrevista concedida no dia 31 de julho deste ano, que unidades com 50 a 60 jovens apreendidos deveriam ter, no máximo, 40 vagas. “São unidades excessivamente grandes para a política socioeducativa”, definiu.

“Uma questão que me preocupou bastante foi a questão do acesso à água. Tem unidades onde o adolescente não tem livre acesso à água, para higienização, para descarga e até para para beber. Ele tem que pedir para um socioeducador para encher a garrafa dele. Há relatos de asolecentes que ficaram com sede, porque não ninguém no naquele momento para encher a garrafa”, afirmou Alves.

O perito do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCV), Rogério Guedes, comparou a situação dos centros socioeducativos no Ceará com “masmorras medievais“. “Quando a gente pensa que essas pessoas estão no escuro, sem acesso à água, num lugar sujo, porque os banheiros não têm vasos sanitários, são latrinas. É um buraco no chão, que está diretamente ligado ao esgoto, o que faz com que vetores como ratos e outros animais peçonhentos possam entrar, e é o que acontece”, denunciou.

Segundo Guedes, os jovens precisam se alimentar dentro dos alojamentos, o que também atrai ratos, pois não há refeitórios. “É uma situação degradante, para além de estrutura, de mofo, de umidade, paredes com sujidades. De fato, não é o que se espera para um espaço de socioeducação”, completa.

Os representantes da comitiva denunciaram ainda a prática de “tortura institucional” no Sistema Socioeducativo cearense, a partir de ameaças e restrição de direitos, como saúde e higiene; e excesso de medicalização, com uso de vários medicamentos controlados pelos adolescentes.

Fotos mostram denúncias feitas por instituições sobre série de violações cometidas no Sistema Socioeducativo cearense

Legenda:
Instituições denunciaram uma série de violações cometidas no Sistema Socioeducativo, como problemas estruturais e tortura, após inspeção a unidades em Fortaleza

Foto:
Divulgação

Questionada sobre a inspeção, a Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo alegou que “ainda ainda não teve acesso ao relatório do Conselho Nacional de Direitos Humanos” e garantiu “seu compromisso com a apuração rigorosa de eventuais denúncias, por meio de registros formais de ocorrência, exames de corpo de delito e instauração de processos administrativos junto à Corregedoria deste órgão, assegurando a devida responsabilização dos envolvidos, se comprovadas as irregularidades”.

É uma situação degradante, para além de estrutura, de mofo, de umidade, paredes com sujidades. De fato, não é o que se espera para um espaço de socioeducação.”


Rogério Guedes

Perito do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCV),

A Seas ressaltou que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) reconheceu, em fevereiro deste ano, avanços no Sistema Socioeducativo do Ceará, como “a ausência de superlotação nos Centros Socieoducativos, a implantação do Plano Político-Pedagógico em todas as unidades, assegurando educação formal universal, qualificação profissional e acesso às atividades de cultura, esporte e lazer para todos os adolescentes, a implementação de metodologias de Justiça Restaurativa, a criação da Escola de Formação de Servidores, a realização do primeiro concurso público e a inexistência de tumultos ou rebeliões”.

Conforme a Pasta, “todas as unidades contam com corpo gerencial, técnico e de segurança dimensionado de acordo com a capacidade projetada. O fornecimento de insumos (alimentação em cinco refeições diárias, vestuário, roupas de cama, material de higiene e de limpeza) é garantido a todos os jovens, com cronogramas de reposição previamente definidos”.

Investimentos no Sistema Socioeducativo

A Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo destacou também que há um orçamento de R$ 3,4 milhões para melhorias na infraestrutura dos centros socioeducativos do Ceará, em 2025, e que está previsto o início da construção de uma nova unidade feminina ainda neste ano, com investimento total de R$ 12 milhões e capacidade para 70 adolescentes.

O trabalho de manutenção regular assegura ambientes adequados para o desenvolvimento dos projetos pedagógicos, abrangendo higiene, segurança, espaços para alimentação, atendimentos técnicos, repouso, estudo, administração, visitas familiares, saúde, esporte, lazer, cultura e profissionalização.”


Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo

Em nota

O efetivo de servidores do Sistema Socioeducativo foi reforçado com 164 profissionais recém-formados (socioeducadores, psicólogos, assistentes
sociais e pedagogos), nos últimos meses, e será ampliado com a realização do primeiro concurso público da área, já em andamento, com 964 vagas para socioeducadores e 116 vagas para analistas, segundo a Seas.

Outro avanço destacado pela Pasta foi o cumprimento, nos últimos anos, de “todas as recomendações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como a criação da Central de Regulação de Vagas (CRV), a instalação do Núcleo de Atendimento Integrado (NAI) e a realização de audiências concentradas”.

A Seas garante que, “diariamente, todos os adolescentes têm assegurada uma rotina que contempla atividades de escolarização, qualificação profissional, arte, cultura, esporte e lazer. Também são realizados atendimentos técnicos com assistentes sociais e psicólogos(as), cuidados de saúde prestados por enfermeiros(as), médicos(as) e psiquiatras, além da promoção de atividades externas”.

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