Após meses de esforços para articular uma chapa única na disputa pelo Governo do Estado, a oposição no Ceará vive um cenário de ruptura motivado pelos recentes posicionamentos do ex-ministro Ciro Gomes (PDT) e do deputado federal André Fernandes (PL). Na avaliação de parlamentares ouvidos pelo PontoPoder, a crise é considerada contornável a partir da disposição pelo diálogo, mas reconhecem que o momento é tido como “tenso” e “delicado”.
Na última sexta-feira (18), Ciro publicou um vídeo no qual critica Jair Bolsonaro (PL) e qualifica como “extrema burrice” do líder conservador, dos seus familiares e de aliados políticos o posicionamento em relação ao embate comercial entre os Estados Unidos e o Brasil. As críticas também se dirigem ao presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O pronunciamento foi divulgado no mesmo dia em que o ex-presidente virou alvo de mandados da Polícia Federal (PF) e recebeu medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica.
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Em reação, André Fernandes anunciou que o PL terá candidaturas próprias ao Governo do Ceará e ao Senado no próximo ano, descartando o apoio do bolsonarismo a possíveis candidaturas de Ciro e do ex-prefeito Roberto Cláudio (sem partido) em 2026, que se aproximaram mais recentemente da ala.
Nos bastidores, deputados comentam que as declarações de André acontecem em um “momento de dor”, levando em conta a relação de proximidade dele com Bolsonaro, e ocorreram sem alinhamento prévio com o grupo, apenas com políticos do PL. Ao mesmo tempo, há questionamentos acerca do dia escolhido por Ciro para divulgar o vídeo nas redes sociais.
Conversas internas dão conta de que o material foi gravado cerca de três dias antes da operação da PF contra Jair Bolsonaro e, por isso, não cita as medidas contra o ex-presidente. Ainda assim, foi publicado no mesmo dia em que as restrições foram determinadas.
Diálogo não está descartado
Internamente, o grupo tenta reforçar as convergências pela união entre os nomes que se contrapõem à gestão Elmano de Freitas (PT). Inclusive, membros da oposição indicam que Ciro, André e Roberto Cláudio já teriam se mostrado abertos ao diálogo entre eles após o episódio.
Ainda nos bastidores, fontes apontam que André já teria indicado que apenas o nome do deputado estadual Alcides Fernandes (PL) está fechado como pré-candidato ao Senado e o partido deseja ter a cabeça da chapa ao Governo. Com isso, há abertura para alianças entre os partidos de oposição.
Entretanto, um realinhamento das forças em torno de uma candidatura que consiga congregar União Brasil, Progressistas, Novo e PL no Ceará ainda vai depender de uma série de fatores, como deliberações das Executivas nacionais.
Como aliados avaliam a crise
Representante do União Brasil que está alinhado à oposição, o deputado federal Danilo Forte (União) afirmou que recebeu com “preocupação” os últimos desdobramentos envolvendo Ciro e André. “Palavras soltas ao vento, sem muitas vezes ter a responsabilidade do fato e da política local, podem criar desconforto. E foi isso que foi gerado”, frisou.
Em entrevista ao PontoPoder, no último sábado (19), no aeroporto de Juazeiro do Norte, o parlamentar apontou que Ciro “de vez em quando tropeça na língua, só que ele tá ficando velho” e cobrou amadurecimento para acumular forças. “Já teve algumas oportunidades dele (Ciro) estar muito próximo, inclusive de ganhar eleições a nível nacional e, infelizmente, declarações inoportunas o tiraram do páreo”, avaliou.
“O Ciro fez uma fala que agrediu o PL e agrediu os bolsonaristas, que estavam se unindo dentro de um projeto. E o André Fernandes, corretamente, inclusive como presidente do partido, fez a defesa da turma dele, do que ele pensa, do que é seu objetivo. Só que essa não é a questão principal do Ceará. A questão do Ceará é unir as forças para fazer uma mudança, para fazer a alternância de poder”
O PontoPoder acionou a assessoria de Ciro Gomes para verificar se o ex-ministro deseja se manifestar sobre a declaração, mas ainda não houve retorno.
Por sua vez, o deputado federal Dr. Jaziel (PL) classificou a reação de André como natural, diante de um momento de “dissonância”, mas defende que não é hora de tomar posições definitivas. O parlamentar, que já chegou a defender Ciro como nome mais competitivo para a disputa, entende que o atual cenário é de “efervescência nacional” e é preciso tempo para o grupo digerir as coisas.
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Ciro Gomes participou do café da oposição da Alece em maio
Thiago Gadelha
“As coisas podem mudar. Agora, é claro que tudo se faz com gesto. É preciso também que haja um um gesto de lá para cá, com reconhecimento de algumas coisas, de falhas e defeitos que os homens têm, algumas posições. Dizer: ‘eu me posiciono assim, por isso, isso e isso. Então, aí não precisa de ninguém para dizer isso para o Ciro, que ele sabe fazer isso mais do que todo mundo”, enfatiza.
Esposa do Dr. Jaziel, a deputada estadual licenciada Dra. Silvana (PL) defende que o cenário nacional tomou uma importância maior no atual momento político. “Agora é hora de pensar nos rumos do país após as medidas arbitrárias e antidemocráticas do Supremo (Tribunal Federal) contra o ex-presidente (Jair Bolsonaro). O líder maior do nosso partido está sofrendo injustamente”, classificou.
Nesse sentido, pondera a parlamentar, é preciso deixar o cenário local para segundo plano, por enquanto. “Teremos tempo para definir os rumos da escolha com a serenidade e a responsabilidade que nosso Estado merece. Os ânimos estão muito à flor da pele. Então qualquer atitude agora pode ser fruto de recuo amanhã”, pontuou Dra. Silvana.
Diálogo deve seguir
Boa parte das articulações do grupo tem o “Café da Oposição”, na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) como espaço central. A reunião semanal da ala opositora tem servido para alinhar a estratégia de atuação na Casa e na corrida eleitoral do próximo ano.
Foi por meio do encontro, inclusive, que o nome de Ciro Gomes entrou oficialmente no radar para uma possível candidatura ao Palácio da Abolição, e Roberto Cláudio anunciou a migração para o União Brasil — ainda não oficializada —, após a saída do PDT. O ex-deputado federal Capitão Wagner (União) e o ex-prefeito José Sarto (PDT) também já chegaram a participar.
Líder do União na Alece, o deputado estadual Sargento Reginauro compreende que os “ânimos estão aflorados” e o grupo passa por momento de “tempestade”. Ele avalia que a posição de Ciro soa “delicada” devido ao trabalho de aproximação, mas vê chance de convergências entre as forças políticas opositoras, mesmo diante das diferenças.
“Nós temos completa convicção de que a vitória sobre o PT no Estado do Ceará está diretamente ligada à união de toda a oposição. E eu tenho certeza que, passada essa tempestade, e ela tende a passar, nós vamos voltar a sentar e alinhar todos os diálogos possíveis para seguirmos juntos trabalhando até 2026″
Outro membro do grupo, o deputado estadual Felipe Mota (União) entende que o vídeo publicado por Ciro “saiu num momento de dor do grupo da extrema direita”, mas não vê como positivo o que chamou de “posicionamento individualista” de André Fernandes.
“Ele (André) deveria ter feito um discurso em relação à fala do Ciro, em relação ao líder deles, ao Bolsonaro. Mas não pegar a oposição do Estado do Ceará e fazer uma declaração que um partido só vai ter candidato a governador e a senador sem consultar todos os outros. Nós não estamos consultando uns aos outros, nós não estamos sentando, não estamos discutindo, não estamos quebrando a aresta?”, afirmou.
O PontoPoder acionou André Fernandes para verificar se o deputado federal deseja se manifestar sobre a declaração. Via assessoria, o parlamentar afirmou que não vai se posicionar acerca das declarações.
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Na última terça-feira (15), o senador reuniu opositores em seu gabinete para fazer alinhamentos políticos de olho em 2026
Kid Júnior
Já o deputado estadual Cláudio Pinho (PDT) vê os posicionamentos com “naturalidade”, diante das divergências que o grupo já tinha deixado claro entre si. Mesmo assim, o parlamentar compreende que o momento exige do grupo “cabeça” para administrar conflitos em torno do interesse de um projeto único para o Ceará.
“A questão dessa briga ‘Bolsonaro e Lula’ não interessa a população. E assim, eu tenho trabalhado e tenho certeza que vamos cada vez mais amadurecer o debate na Assembleia e no grupo da oposição e chegaremos a um consenso do melhor nome. Hoje, a gente tem que ter consciência que o melhor nome é o nome do Ciro Gomes”, avaliou Pinho, mesmo citando que há outros políticos no debate, como Roberto Cláudio, Capitão Wagner e o senador Eduardo Girão (Novo).
Por sua vez, o deputado estadual Lucinildo Frota (PDT) diz não observar uma “ruptura” e que é legítimo o PL querer lançar um candidato próprio. “O nosso entendimento, o que eu escuto de todos, pós-declaração do André, antes da declaração do André, é que nós vamos sair juntos”, ponderou o parlamentar, ao indicar que acredita que ainda há espaço para a convergência dos nomes.
“O que eu entendo é que esse alvoroço todo do Governo, de comemorar tanto essa possível ruptura, mostra o temor que eles tão tendo dessa nossa união”, acrescentou Lucinildo Frota.
A fala do deputado do PDT faz referência às reações de políticos da base governista após o rompimento, que reforçaram as críticas às articulações do grupo. “Aliados por dois dias se atacando. Isso acontece quando a ‘aliança’ é movida pela inveja, ódio e sentimento de vingança”, publicou o secretário chefe da Casa Civil do Governo do Ceará, Chagas Vieira, por exemplo.
O PontoPoder também tentou contato com os deputados estaduais Alcides Fernandes (PL) e Carmelo Neto (PL) sobre o atual panorama das articulações da oposição. Ambos não retornaram às tentativas de contato da reportagem.
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Pendências União e no PDT
Embora alguns membros estejam diretamente ligados à oposição no Ceará, uma ala do União Brasil está mais sensível ao diálogo com o grupo governista, representada pelos deputados federais Fernanda Pessoa e Moses Rodrigues, conforme revelou o ministro da Educação Camilo Santana (PT), durante uma entrevista ao PontoPoder, em maio.
Em paralelo, o partido vive um processo de federação ao Progressistas (PP), que deve ser concretizado no início de agosto. Membros da legenda aguardam essa definição para fechar outros alinhamentos, até mesmo para a filiação de novos quadros, como é o caso de Roberto Cláudio, segundo dito pelo próprio político em entrevista coletiva na semana passada, após encontro da oposição com o senador Tasso Jereissati (PSDB).
Em contato com a reportagem, Fernanda Pessoa disse que aguarda os desdobramentos da federação do União com o PP para as definições visando o pleito de 2026. Mesmo assim, destaca que há um alinhamento dela e de Moses com os governos estadual e federal, tendo em vista que o partido comanda três ministérios no Governo Federal. “Estão antecipando muito a eleição, a eleição só é no próximo ano. Então, é o momento de conversa, de diálogo”, salientou.
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A deputada também comentou que vê com certa estranheza a possibilidade de antigos opositores ao pai dela, o prefeito de Maracanaú Roberto Pessoa (União), almejarem se tornar aliados e entrar nos quadros do União, já que há conversas do partido também com Ciro Gomes, além do próprio Roberto Cláudio. “Se você for fizer uma analogia, quem foi ao município de Maracanaú fazer oposição ao meu pai? São todos eles que estão aí querendo se juntar a nós. Para mim há um antagonismo nisso”, pontuou.
A reportagem também tentou contato com Moses Rodrigues, mas não houve retorno. Em junho, em entrevista ao PontoPoder, o parlamentar pediu “prudência” e “calma” nas decisões acerca do alinhamento do União Brasil em 2026 e o possível ingresso da legenda na base do Governo Elmano, o que também passa por definições após a federação.
Outro partido que ainda aguarda resoluções é o PDT. Embora o diretório no Ceará já tenha entrado para a base governista, atualmente, os quatro deputados estaduais da sigla compõem o grupo de oposição. Diante disso, Cláudio Pinho e Queiroz Filho podem seguir os passos de Roberto Cláudio e migrar para o União Brasil, enquanto Lucinildo Frota e Antônio Henrique devem ir para o PL. Ainda que não haja confirmação oficial, as transferências devem ocorrer na próxima janela partidária, no primeiro semestre de 2026.