Comércio na Avenida Barão de Studart fica estagnado e convive com declínio de grandes marcas – Negócios

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O percurso de pouco mais de 3,3 quilômetros (km) entre as avenidas Pontes Vieira e Beira-Mar revela que a Avenida Barão de Studart, uma das principais vias que corta a área nobre e comercial de Fortaleza, até apresenta sinais de uma pujança comercial do passado, mas convive agora com uma relativa estagnação e com o fim de grandes marcas.

Não que ao longo dos anos a Barão de Studart tenha sido um sinônimo de grandes empreendimentos comerciais, a exemplo de Monsenhor Tabosa, Bezerra de Menezes, Godofredo Maciel e Gomes de Matos, cada uma protagonista a seu modo. Comparada com outras vias, no entanto, a avenida percebe o aprofundamento de um marasmo com mudanças socioeconômicas e de relação de trabalho.

Na Praça Doutor Edmar Fujita, conhecida como Praça dos Eletricitários, delimitada, além da avenida, pelas ruas Marcondes Pereira, Adolfo Pinheiro e Joaquim Sá, a atividade econômica remonta a um passado antes das transformações tecnológicas digitais. Com exceção de uma lanchonete, o comércio do local é marcado por uma banca de jornais e um ponto de táxi.

Ainda funcionando com a venda de revistas e alguns jornais impressos, bem como revistas em quadrinhos e caça-palavras, a banca é comandada por Evandro Corrêa. Ele atua no local há dez anos, mas o estabelecimento foi aberto muito antes, em 1981.

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Ele reforça que, de fato, houve um declínio daquela região ao longo do tempo em que trabalha ali, mas longe de ser uma queda vertiginosa como em outros locais da cidade. Segundo o funcionário da banca, a tecnologia também contribuiu para afugentar clientes.

“Antigamente tinham comércios altamente mais diferenciados. Tem muitos comércios migrando para outros cantos, e esse fluxo aqui hoje está pior. Essa parte da (avenida) Santos Dumont para cá (sentido Pontes Vieira) sempre foi diferenciada em movimento”, reflete.

A queda no segmento de bancas de jornais, independente da via ou não, já é notada há diversos anos. O avanço da tecnologia, segundo Evandro Corrêa, auxiliou para afastar clientes e diminuir o fluxo de pessoas na via, contribuindo para um comércio físico mais enfraquecido.

“Até pelo ramo que a gente trabalha, que é um ramo totalmente fora desse contexto que a gente vive hoje, estamos praticamente extintos. Poucos setores se beneficiam com essa tecnologia. No nosso, eu não vejo avanço”, considera.

“Do tempo do Romcy”: Barão de Studart vive com abandono do espaço de antigo hipermercado

Juraci Teles é natural de Itapipoca que chegou em 1975, ainda adolescente, à Fortaleza. Na carreira profissional, ele atuou praticamente durante todo o tempo em uma lotérica, que já teve vários endereços ao longo dos anos. Atualmente aposentado há um ano, é revendedor lotérico em frente à Torre Quixadá, um dos principais edifícios de serviços da cidade.

Ele relembra com carinho o período em que trabalhou na Barão de Studart no antigo Romcy, um dos principais varejistas de Fortaleza entre os anos 1970 e 1990. No local, funcionava a lotérica onde Juraci Teles atuou na maior parte da vida profissional, mantida com a transição para Hiper Mercantil e Carrefour, outros dois hipermercados que ocuparam o espaço.

Era mais tranquilo, comércio funcionava melhor. Hoje a decadência é praticamente total. Trabalho aqui há muitos anos. Romcy saiu, entrou o Hiper Mercantil, saiu, entrou o Carrefour, que saiu também. Hoje está muito mudado. Aqui onde trabalho, a gente vai escapando devagarzinho, sem muita pressa, mas tem que correr atrás. Já me aposentei, graças a Deus, mas tenho que trabalhar ainda.


Juraci Teles

Revendedor lotérico aposentado

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Do Romcy ao Hiper Mateus: cruzamento da Barão de Studart com Antônio Sales já foi sede de varejistas

Foto:

Neysla Rocha/Divulgação/Arquivo DN/Davi Rocha

Nem mesmo o fluxo de empreendimentos comerciais de serviços, como torres empresariais, saiu imune da queda do movimento na avenida Barão de Studart, como diz Juraci Teles. A situação foi agravada ainda mais com o fim do Carrefour, cujo fechamento ocorreu há dois anos.

“O funcionamento está mais ou menos, não está mais como era antigamente. Esse Carrefour fechou e foi bom para o outro supermercado aqui pertinho. Mas depois que o Carrefour saiu daí foi uma decadência total”, lamenta.

Tentativa de reviver quarteirão resulta em área inóspita

Após a falência do Romcy, a esquina das avenidas Antônio Sales e Barão de Studart chegou a ser ocupada pelo Hiper Mercantil. O estabelecimento ficou meses fechado, em 2005, e no ano seguinte, deu lugar à segunda loja do Carrefour em Fortaleza, após a abertura da Maraponga.

Logo após o fechamento do Carrefour Aldeota, em maio de 2023, os maranhenses do Grupo Mateus alugaram o espaço para instalar o primeiro hipermercado da empresa no Ceará, o Hiper Mateus. Pouco foi feito, entretanto, no equipamento. Atualmente, ele está com obras paralisadas desde o fim do ano passado.

Por meio da assessoria de imprensa, o Grupo Mateus confirmou que a unidade do Hiper Mateus na Aldeota vai efetivamente sair do papel, mas “não há previsão por ora”. Vale lembrar que é uma situação parecida com a do futuro Mix Mateus da avenida Bezerra de Menezes, no bairro Farias Brito.

Quem sente diariamente o declínio do espaço é o vendedor ambulante José Edinardo. Ele vende bolos em fatias e inteiros na parada de ônibus localizada bem em frente ao antigo Carrefour. 


José Edinardo, comerciante ambulante da Barão de Studart


Juraci Teles, revendedor lotérico da Barão de Studart

Legenda:

José Edinardo e Juraci Teles trabalham na avenida Barão de Studart e veem comércio minguar

Foto:

Davi Rocha

O vendedor chegou no espaço em 2020, na época do relaxamento do primeiro lockdown após a pandemia. Aproveitando o fluxo do então hipermercado e da antiga Caixa Econômica, que funcionava do outro lado da avenida, as vendas eram excelentes.

“As pessoas que trabalhavam nas lojas que tinham dentro do Carrefour sempre vinham lanchar aqui, promotores de vendas. A comida nessa região é cara, e como a minha comida tem o preço mais acessível, muitos vinham para cá, comer um salgado, fatia de bolo. Essas pessoas, acabei perdendo”, comenta.

Procurei diversificar vendendo lanches, água, refrigerante, salgados. Depois que fechou o Carrefour e Caixa, percebo uma queda brusca no movimento. Não dá para calcular quanto perdi de vendas, mas foi muito cliente que saiu aqui da região. Muita gente que perdeu emprego chegou aqui para avisar que foi dispensado, e a gente sente falta das pessoas que circulavam na região.


José Edinardo

Vendedor ambulante que funciona na avenida Barão de Studart

Ainda segundo o vendedor, o fluxo da parada de ônibus “é o que ainda está trazendo a sobrevivência”: “Se não fosse, tinha ido procurar outro ramo”. Devido ao fechamento do empreendimento, ele deixou de vender lanches e bebidas, mas segue com o comércio dos bolos, sem muitas perspectivas de melhoras.

“Acredito na providência de Deus. Na hora que a coisa for afunilando na tal forma que não dá para ganhar para se manter, ainda não sou nem aposentado, vou ter que procurar outra coisa. Enquanto isso aqui não estiver funcionando, não vai melhorar o movimento nenhum”, define.

Vocação da avenida não é para o comércio

A Barão de Studart se notabilizou ao longo dos anos pelos empreendimentos de serviços, como consultórios e escritórios. Funcionam na via, por exemplo, a Torre Quixadá, a sede da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), além de uma série de clínicas e laboratórios médicos, como Emílio Ribas e Unimed. 

Esse é um ponto frisado por Christian Avesque, especialista em varejo e professor da Faculdade CDL. Em toda aquela região, em especial em bairros como Aldeota e Meireles, o foco é um comércio altamente qualificado, e não é exatamente isso que é desenvolvido na avenida Barão de Studart.

“A Barão de Studart tem polos de torres e centros empresariais, e podemos dizer que é um consumo mais qualificado, de mais complexidade e envolvimento focado principalmente em serviços. Quando vai se aproximando da Santos Dumont e Antônio Sales, começa a ter outra qualificação. Aí aparecem os restaurantes, clínicas médicas, empresas que prestam serviços, grandes centros comerciais, lojas de decoração, móveis, que são itens de mais alta complexidade”, explica o especialista.

Foto que contém antigo estabelecimento da Dominus na avenida Barão de Studart, atualmente fechado

Legenda:
Pizzaria Dominus fechou recentemente na avenida Barão de Studart

Foto:
Davi Rocha

“Elefante branco”

Assim como na Bezerra de Menezes, que teve o fechamento do Carrefour em janeiro de 2024, o hipermercado da Aldeota deixou um espaço gigante vazio na região. Christian Avesque aponta que o local na Barão de Studart atualmente é um “elefante branco”. 

“O comércio nessas áreas não tem a pegada de atacarejo, que são operações de grande abastecimento e fluxo. Tem um elefante branco ali, no contexto atual, que quando era na época do finado Romcy, a gente não tinha tantas operações competindo no raio desses bairros”, dispara.

Pela localização centralizada da Barão de Studart, na porção nobre da Capital, não vale a pena, de acordo com Avesque, a criação de empreendimentos como atacarejos e outros atrativos de massa, uma vez que eles precisam estar em zonas intermediárias, na transição entre periferia e áreas elitizadas.

Foto que contém o cruzamento das avenidas Barão de Studart e Júlio Ventura

Legenda:
Avenida Barão de Studart convive com estagnação de empreendimentos

Foto:
Davi Rocha

“O consumo de comércio naquela área e na Grande Aldeota, digamos assim, é um consumo mais especializado, de itens que não são de subsistência, de baixo valor agregado. As redes supermercadistas que têm no entorno enfocam muito em food service e perecíveis alimentos saudáveis. Fica tendo uma grande distopia entre esse ponto enorme que temos ali na área nobre e o padrão e o hábito de compra daquelas famílias que moram naquela região”, classifica.

O que pode explicar, segundo o especialista, a decisão de o Grupo Mateus adiar a construção da unidade é o custo de operação do espaço. Além do aluguel caro ser uma barreira, é preciso pensar em estratégias diferentes para a região.

“Tem metro quadrado na área nobre, tíquete de compra que não é alto e tem outras operações circundantes que oferecem mais serviço, conveniência e não conseguem ter o volume de venda que o atacarejo tem que ter. Não é por acaso que os atacarejos estão nos bairros de periferia e de zona intermediária. O grande desafio em Aldeota, Meireles e Dionísio Torres é que tem que haver uma pegada muito forte no multicanal para que retirem em loja ou em entregas rápidas”, completa.

“Grande strip mall” pode ser a solução para a Barão de Studart

A avenida sempre esteve longe de ser um corredor comercial pujante na cidade, nem mesmo em épocas cujo uso de espaços físicos eram maiores. Conforme analisado por Avesque, o desenvolvimento da Barão de Studart perpassa por outras avenidas com maior fluxo de vendas, como Antônio Sales e Santos Dumont.

Na via, que ainda abriga a sede do Governo do Estado do Ceará, no Palácio da Abolição, a solução dada pelo especialista é de que haja o aproveitamento como uma espécie de grande strip mall (também conhecidos como street malls ou pátios comerciais), atuando como um “hub de serviços familiares”.

Seriam clínicas médicas, academias, alimentos saudáveis, petshops, lojas especializadas em decoração, manutenção de casa, quase como se fosse um hub de solução integrada para as famílias em um raio de até sete km. Seria um grande condomínio que teria o próprio varejo alimentar. Criaria-se o conceito de consumer total service, com tudo em um só lugar e se resolve tudo próximo à residência, com entrega rápida e sortimento qualificado.


Christian Avesque

Especialista em varejo e professor da Faculdade CDL

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Diversos espaços das mais diferentes vocações estão disponíveis para aluguel na via

Foto:

Davi Rocha

O modelo pode até se assemelhar a um shopping center, mas tem vantagens competitivas que, na visão de Avesque, podem contribuir para atrair investidores e clientes, além de redução da carga tributária.

“Dentro desse hub, que por não ser um shopping center, cujos custos de operação são estratosféricos, o investidor poderia trabalhar fortemente em aluguéis com participação na venda, e pudesse fazer dele centro de socialização e ponto de retirada dos próprios produtos. Havendo gastronomia, poderia-se pleitear com a Prefeitura uma zona de interesse gastronômico com redução de carga tributária”, projeta.

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