Por José Epifânio Parente Aguiar
Benedito, carinhosamente chamado de “Dito”, estava em seu último semestre do curso de História na Universidade Federal do Tocantins (UFTO). Com a orientação do renomado professor Dr. Flávio Mesquita, tomou para si o desafio de explorar a história de sua cidade natal, Miracema do Tocantins, com o rigor da pesquisa histórica. Seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) seria construído com base em entrevistas, confrontadas com bibliografia sólida e documentos históricos, para verificar a veracidade dos acontecimentos marcantes de Miracema.
Com esse objetivo em mente, Dito retornou à sua terra natal. Lá, recebeu um conselho curioso do vereador Epaminondas, conhecido como “Epa”:
– Nem precisa procurar muita gente. Vai no Mundiquinho. Ele conhece todos os fatos relevantes e as melhores interpretações da história local.
Dito, no entanto, buscava evitar viés ou juízos de valor, querendo apenas os “fatos concretos”. Mas Epa insistiu:
– Fique tranquilo, filho. Vá até ele e seja estratégico: leve umas caixas de cerveja, um litro de conhaque, tira-gostos e conduza a conversa com descontração. Com o clima certo, ele vai te contar tudo, tim tim por tim tim.
Com certo receio, Dito seguiu o conselho e, na sexta-feira à noite, chegou à casa de Mundiquinho, munido dos “mimos” sugeridos e de um gravador simples. A conversa teve início com trivialidades sobre futebol, mas logo ganhou profundidade.
Os Fragmentos de uma História
Quando questionado sobre os fatos marcantes da história de Miracema, Mundiquinho iniciou com um tom de cronista experiente:
– Miracema foi a Capital do Abacaxi nos anos 1980. Mandávamos caminhões para todo o Brasil e até para o exterior! Mas isso se perdeu…
Ele detalhou como o pioneirismo da cidade no cultivo do abacaxi deu lugar à disseminação da cultura em outros municípios, deixando Miracema com apenas o título simbólico. Hoje, o carnaval fora de época, o “Miracaxi”, é o maior legado cultural dessa época.
Quando o assunto mudou para a instalação da capital provisória do Tocantins em 1989, Mundiquinho opinou:
– Miracema tinha tudo para se firmar como a capital definitiva, mas faltou habilidade política. Palmas foi construída do zero e levou a capital embora em um ano.
A Estrada Que Não Passou
O ponto mais intrigante veio com a história da rodovia Belém-Brasília. Mundiquinho revelou que, originalmente, o traçado da estrada passaria por Miracema. Contudo, uma elite local, temerosa da “invasão” de peões e das possíveis implicações morais, pressionou o prefeito a redirecionar a estrada para o que hoje é Miranorte.
– O medo de que a estrada trouxesse desordem e corrompesse as donzelas da cidade falou mais alto. Mandaram um emissário ao engenheiro responsável e mudaram o traçado.
Dito, até então um ouvinte atento, não resistiu a um desabafo:
– De que adiantou tanto zelo? Os peões não vieram, mas décadas depois os barrageiros da Usina Hidrelétrica Luis Eduardo Magalhães se vingaram, levando para seus braços as netas e bisnetas daquelas mesmas donzelas protegidas.
Mundiquinho, com um sorriso irônico, concluiu:
– O mundo dá voltas, meu amigo. Só não escreva “nhec nhec” e “nhac nhac” no seu TCC, ou vai ser reprovado.
Com risos, cervejas e histórias, a noite terminou como começou: descontraída, mas repleta de reflexões sobre os caminhos – e descaminhos – que moldaram Miracema. Afinal, a história, assim como o mundo, é feita de voltas imprevisíveis.
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