Incêndios deixam ‘cicatrizes’ gigantes no solo de cidades do CE; veja locais – Ceará

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Um estudo inédito no Ceará conduzido por pesquisadores da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) revelou grandes “cicatrizes de fogo” deixadas por queimadas no território estadual, entre os anos de 2020 e 2024. Em três desses cinco anos, as marcas superaram 1.000 km², área maior do que 139 municípios.

Em 2023, ano com pior registro na série analisada, foram 1.881 km² de terras devastadas. Isso equivale a cerca de seis vezes o território de Fortaleza, que tem 312,3 km². 

A pesquisa dos geógrafos Manuel Rodrigues de Freitas Filho e Níveo Moreira da Rocha mapeou como o fogo “machuca” o solo, inclusive trazendo impactos negativos para a agricultura. A análise das cicatrizes permite avaliar padrões, encontrar áreas sensíveis e criar estratégias e prioridades para a atuação de órgãos ambientais.

Veja as 10 cidades com maiores cicatrizes:

2022

  1. Icó – 55,98 km²
  2. Santa Quitéria – 32,65 km²
  3. Jaguaribe – 28,52 km²
  4. Sobral – 28,01 km²
  5. Iguatu – 24,57 km²
  6. Cariré – 19,99 km²
  7. Orós – 17,45 km²
  8. Barro – 16,97 km²
  9. Granja – 16,81 km²
  10. Acopiara – 15,37 km²

2023

  1. Icó – 119,68 km²
  2. Acopiara – 63,87 km²
  3. Caririaçu – 53,85 km²
  4. Jucás – 50,78 km²
  5. Várzea Alegre – 49,96 km²
  6. Assaré – 43,88 km²
  7. Saboeiro – 43,85 km²
  8. Mombaça – 41,20 km²
  9. Araripe – 37,05 km²
  10. Santa Quitéria – 35,43 km²

2024

  1. Acopiara – 47,04 km²
  2. Icó – 44,89 km²
  3. Sobral – 43,69 km²
  4. Mombaça – 36,67 km²
  5. Santa Quitéria – 32,24 km²
  6. Crateús – 31,48 km²
  7. Missão Velha – 28,84 km²
  8. Aiuaba – 27,99 km²
  9. Pedra Branca – 27,66 km²
  10. Assaré – 27,22 km²

Foto aérea mostra o solo ressecado e acinzentado com marcas negras de raízes e galhos queimados, formando um padrão que lembra veios ou rachaduras. As linhas brancas contrastam com as marcas escuras deixadas pelo fogo, revelando os rastros de incêndios florestais.

Legenda:
Queimadas deixam marcas profundas no solo e na vegetação do Ceará, ajudando a empobrecer os nutrientes do solo.

Foto:
Carlos Marlon.

Frequência dos incêndios

No caso do Ceará, a ocorrência de queimadas se dá principalmente entre os meses de setembro e dezembro, período conhecido como “BR-O-Bró” e que coincide com a estação seca mais intensa, quando a escassez hídrica e a baixa umidade relativa do ar favorecem a propagação do fogo.

Esses quatro meses foram a base da série histórica avaliada pelos pesquisadores. Na comparação entre os mapas, as regiões Centro-Sul, Cariri e Ibiapaba aparecem com as manchas mais intensas de cicatrizes.

Veja as principais áreas afetadas em cada mês de 2022 a 2024, entendendo que as áreas mais escuras representam acima de 8 km² em queimadas:

Ilustração apresenta uma sequência de mapas do Ceará, organizados por meses e anos (setembro a dezembro de 2022, 2023 e 2024). As cores variam do cinza ao vermelho, indicando diferentes níveis de queimadas. Observa-se aumento das áreas em tons de amarelo, laranja e roxo, que representam seca moderada a extrema, especialmente nas regiões Cariri e Centro-Sul do estado.

Legenda:
Mapa revela intensificação de queimadas no Ceará nos meses de setembro a dezembro.

Foto:
Funceme.

Manuel Rodrigues, também gerente de Estudos e Pesquisas em Meio Ambiente da Funceme, explica que o novo material é diferente de outros levantamentos sobre focos de calor.

“O foco de calor pode ser uma queimada porque o satélite detecta tudo que emite muito calor. Podem ser telhados, amiantos, mineradora, e você tem que checar se aquilo foi uma queimada ou não. Já esse é o mapeamento da cicatriz de onde ocorreu realmente queimada na vegetação”, detalha.

Como foi feito o estudo?

Segundo os geógrafos que realizaram o levantamento, as marcas impressas pelos incêndios foram capturadas por imagens de satélites a 600km de altitude e formam “fotografias” dos prejuízos.

As imagens são lidas e analisadas por um novo algoritmo desenvolvido na própria Funceme, que oferece bem mais precisão quando comparado a outros modelos.

A análise identifica padrões de recorrência, intensidade e distribuição das cicatrizes de queimadas, fornecendo informações para a formulação de estratégias de prevenção, mitigação e gestão ambiental. 

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Os resultados devem apoiar políticas públicas e ações de manejo sustentável dos recursos naturais no Ceará, especialmente em áreas de maior vulnerabilidade socioambiental e para a recuperação de áreas degradadas.

Os resultados serão compartilhados e devem ser utilizados principalmente por duas iniciativas:

  • Programa de Prevenção, Monitoramento, Controle de Queimadas e Combate aos Incêndios Florestais (PREVINA), da Secretaria do Meio Ambiente do Ceará (Sema);
  • Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo), órgão especializado do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Cultura do fogo

Mas por que determinadas áreas do Estado têm maior recorrência das queimadas? Manuel Rodrigues aponta que esse comportamento tem raízes históricas relacionadas à agricultura.

“Posso dizer que 90% dessas ocorrências foram ocasionadas pelo homem. Não é natural, vem da própria cultura do sertanejo de ainda fazer queimada para preparar a terra para algum cultivo”, aponta, embora também não descarte incêndios intencionais.

Conforme o pesquisador, isso é especialmente danoso no segundo semestre, quando a maior temperatura do ar e a vegetação seca tornam o cenário mais propenso à maior ocorrência das queimadas.

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Prejuízos ao ecossistema

No entanto, as queimadas representam uma das principais pressões ambientais sobre o semiárido brasileiro e podem ter um efeito inverso ao esperado pelos produtores rurais, prejudicando a agricultura a longo prazo.

“O próprio agricultor, às vezes de forma inocente ou por falta de orientação, não tem ideia de que quando ele queima, o solo perde nutrientes. Pode dar um excelente cultivo na primeira vez, mas nos próximos já vai diminuir, porque ele está acabando com a reserva dos nutrientes”, explica Manuel.

Por isso, uma das recomendações para o homem do campo é evitar totalmente a queimada e a repetição de culturas. 

“O solo não pode ser usado para o mesmo cultivo todos os anos, para que seja retirado do solo nutrientes diferentes. Se você usar a mesma cultura todo ano, no mesmo local, você vai estar tirando o mesmo nutriente e ali tende a saturar. O solo não vai dar mais para muita coisa, então tem que ter um rodízio”, sugere.

Recuperação ambiental

Foi a junção de criação de gado e a monocultura do algodão que, historicamente, degradou extensos territórios no Ceará, como o Vale do Jaguaribe, o Sertão dos Inhamuns e parte da região Norte. Um mau uso da terra que reverbera até hoje.

Atualmente, segundo a Funceme, cerca de 11% do Ceará está em processo de desertificação.

Por isso, o novo estudo também busca contribuir para entender qual é a capacidade dessa vegetação se recuperar dos danos sofridos. Afinal, embora a caatinga seja um bioma resistente ao calor, tem áreas altamente sensíveis que podem ser danificadas pelo fogo.

“Se recuperar sozinha é muito difícil, tem que ter intervenção. Quando ela está desertificada, é quase irreversível, mas quando ainda está em processo de desertificação, tem como fazer um trabalho para recuperar”, define Manuel.

Um dos principais exemplos no Estado é o projeto Brum. Há 10 anos, a Funceme deu início ao projeto de recuperação de áreas degradadas na comunidade de mesmo nome, em Jaguaribe. Demorou cerca de sete anos, com técnicas conservacionistas e educação para os moradores, até que o solo improdutivo voltou a ser uma área verde apelidada de “Amazoninha”.

Por isso, Manuel acredita que a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Ceará (Ematerce) tem papel essencial na orientação sobre o uso da terra aos produtores de cada município

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