Após polêmica, jurista esclarece que STJ não proibiu gestores de divulgarem ações nas redes sociais – PontoPoder

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A decisão de um recurso judicial, apresentado pela defesa do ex-governador de São Paulo, João Dória, ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) em fevereiro deste ano, voltou a repercutir e causar apreensão entre os gestores públicos. Cogitou-se que a decisão proibia que prefeitos e governadores, por exemplo, divulgassem ações em perfis pessoais. Contudo, juristas alertam que isso não corresponde ao teor do que foi decidido pelos magistrados.

Segundo especialistas, a Corte apenas reforçou um princípio constitucional já consolidado: o da impessoalidade no uso da máquina pública. De acordo com Fernandes Neto, doutor em Direito Constitucional e Teoria Política e presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-CE, a repercussão do caso foi fruto de uma leitura distorcida do que decidiu o STJ.

“Toda repercussão sobre a decisão partiu de uma interpretação equivocada para gerar fato político e comoção”, afirmou. Segundo ele, a Justiça Eleitoral é clara que a comunicação institucional deve respeitar os princípios constitucionais, e a decisão apenas reforça isso.

“O que é proibido é usar a máquina pública em privilégio de uma pessoa ou de uma campanha. Por exemplo, se o prefeito mandar fazer uma propaganda específica com imagens de drones, tudo pago com dinheiro público, e usar em promoção pessoal, isso gera tanto ilícito quanto improbidade administrativa”


Fernandes Neto

Doutor em Direito Constitucional e Teoria Política e presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-CE

Divulgação institucional não é proibida

Fernandes Neto reforça que a decisão do STJ não impede que gestores publiquem informações sobre obras, políticas públicas e serviços prestados à população em seus perfis pessoais. 

“A mera menção e informação de qualquer obra publicada nas redes sociais não são irregularidade. Assim como a oposição vai promover a divulgação do que tem de ruim na cidade, o gestor tem direito a exaltar o que tem de bom”, disse.

De acordo com o jurista, o ponto central está no uso dos recursos públicos. “Não posso usar nenhum bem público para promoção personalíssima. E utilizar um perfil público para exaltar a figura do gestor pessoalmente ultrapassa esse limite”, pontuou.

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O que é permitido e o que é proibido

Na prática, a decisão do STJ reforça uma divisão clara entre comunicação institucional e promoção pessoal:

  • Permitido: O gestor pode divulgar obras, programas e serviços em seus perfis pessoais, desde que o conteúdo seja informativo e não tenha sido produzido com recursos públicos para autopromoção.
  • Proibido: Produzir campanhas ou materiais com verba pública para enaltecer a figura do gestor, inclusive com uso de imagens, vídeos e outros elementos publicitários com caráter personalista.

“Em resumo, o gestor pode fazer essa autopromoção, mas se for com o próprio dinheiro e divulgar nas próprias, como ocorre nas campanhas eleitorais”, reforça.

Por outro lado, caso a propaganda divulgada siga os princípios da impessoalidade e seja divulgada no perfil institucional, o gestor pode reproduzir posteriormente em seus perfis pessoais. 

De acordo com Fernandes Neto, caso fique comprovado o uso indevido da estrutura pública para promoção pessoal, o agente público deve enfrentar consequências na Justiça.

O gestor pode ser enquadrado na conduta de improbidade administrativa e, caso seja em período eleitoral, acusado de abuso de poder por uso dos meios de comunicação.

E o caso do Dória?

No Recurso Especial 2.175.480/SP, que foi o estopim da confusão, a Segunda Turma do STJ autorizou o prosseguimento de uma ação de improbidade administrativa contra o ex-governador de São Paulo. João Dória é acusado de uso de verba de publicidade institucional para promoção pessoal quando era prefeito de São Paulo, entre 2017 e 2018.

Ao analisar o caso, os magistrados entenderam que o político ter divulgado imagens publicitárias do programa Asfalto Novo em suas redes sociais configura indício de que a contratação da campanha teria como objetivo a autopromoção. O STF também apontou que os recursos usados na campanha foram desproporcionais, totalizando cerca de 20% do total investido no asfaltamento, e que foram usados slogans e identidade visual da gestão pública no perfil pessoal do prefeito.

O político é acusado pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) de abuso de poder político A primeira instância aceitou a ação e bloqueou bens de Dória na ordem de R$ 29,4 milhões, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reverteu a decisão.

No STJ, a ação foi autorizada a prosseguir. A decisão não representa uma condenação nem cria jurisprudência vinculante. Significa apenas que a ação do Ministério Público pode prosseguir na Justiça, e que as suspeitas levantadas serão analisadas no mérito.

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