Pessoas com menos traços de ancestralidade asiática ou africana têm mais risco de câncer colorretal – Ceará

Leia em 10 minutos

Uma pesquisa científica revelou que a ancestralidade genética de brasileiros está associada ao risco de desenvolvimento de câncer colorretal. Indivíduos com uma menor proporção de ascendência asiática e africana apresentam mais chances de serem acometidos pela enfermidade. 

O estudo foi realizado no interior de São Paulo, no Hospital de Amor, também conhecido como Hospital de Câncer de Barretos. Entre os pesquisadores, está o cearense Howard Ribeiro Lopes Junior, servidor técnico-administrativo do Departamento de Morfologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (Famed/UFC).

A análise descobriu que existem quatro marcadores genéticos do DNA humano — chamados polimorfismos de nucleotídeo único, ou SNPs — associados a riscos na população brasileira. Duas das variações foram ligadas a uma chance significativamente maior de desenvolver a doença, enquanto outras duas oferecem um efeito protetor.

No Brasil, a população é caracterizada por quatro grandes grupos étnicos a nível genético: europeu, africano, asiático e ameríndio. O efeito protetor foi associado à ancestralidade ameríndia intermediária. 

Howard reitera que esse resultado não determina que, necessariamente, os indivíduos que possuem variantes genéticas terão câncer. Hábitos de vida e fatores ambientais podem influenciar nas chances do diagnóstico.

Atualmente, o câncer colorretal é o terceiro tipo mais comum entre homens e mulheres no Brasil, sem considerar os tumores de pele não melanoma, aponta o Instituto Nacional de Câncer (Inca). Para o triênio 2023 a 2025, o Inca estima um número de 45.630 casos anuais. 

Em entrevista ao Diário do Nordeste, o pesquisador Howard Lopes explica que a maioria dos estudos genômicos do câncer colorretal tem como base a população europeia. Por isso, a pesquisa buscou entender se a doença diagnosticada em um paciente europeu é genomicamente similar a uma enfermidade na população brasileira, que possui múltiplas ancestralidades no genoma. 

“95% dos resultados genéticos, definidos em medicina personalizada para toda a população mundial, é baseado no sequenciamento genômico de participantes de pesquisas científicas prioritariamente europeus”, afirma.

Howard acrescenta que uma das bases do texto foi um grande estudo de risco genético para câncer colorretal publicado pelo doutor e PhD Amit Sud, em 2017. O estudioso identificou 85 marcadores genéticos do DNA humano que estavam associados ao risco de ter a doença. Ou seja, pessoas saudáveis nasciam com uma característica genética que gerava um maior risco de ser acometida pela enfermidade. “É um risco genético simplesmente por estar viva”, diz. 

Para o estudo, foi considerada uma amostra de 906 pacientes com diagnóstico de câncer colorretal, e outras 906 pessoas foram consideradas como grupo de controle, ou seja, não possuíam a enfermidade. Os grupos foram pareados por gênero e idade para que a comparação fosse mais precisa. Além disso, foram excluídas pessoas que tinham um histórico familiar de câncer colorretal hereditário. 

Howard Ribeiro Lopes Junior, homem de cabelo preto vestido com jaleco branco na frente de prédio com características históricas

Legenda:
O estudo foi realizada no interior de São Paulo, no Hospital de Amor, também conhecido como Hospital de Câncer de Barretos. Entre os pesquisadores, está o cearense Howard Ribeiro Lopes Junior, servidor técnico-administrativo do Departamento de Morfologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (Famed/UFC)

Foto:
Divulgação UFC

De cada um dos voluntários, foram coletados aproximadamente 5 ml de sangue, posteriormente processados e armazenados no Biobanco do Hospital de Câncer de Barretos, em São Paulo. A partir desse material, os estudiosos se debruçaram em apenas 35 dos 85 marcadores, por questões financeiras e tecnológicas.

“Nós temos uma limitação técnica e principalmente orçamentária para realizar esses experimentos. São pesquisas muito caras que demandam muito recurso financeiro e muita tecnologia que, às vezes, no Brasil nós nem temos”, diz. 

Os autores do estudo são os cientistas Ana Carolina de Carvalho e Ana Carolina Laus, do Centro de Pesquisa em Oncologia Molecular (CPOM) do Hospital do Câncer de Barretos, em São Paulo, Rui Manuel Reis, diretor do CPOM e professor da Universidade do Minho, em Portugal, e Howard Lopes.

Carga genética e fatores ambientais

Um dos pontos desse resultado, segundo Howard, é que é preciso levar em consideração a carga genética para se pensar no tratamento de doenças. “Cada indivíduo tem sua característica genética e deve ser avaliada na resposta terapêutica para diversos tipos de doenças, como é o câncer colorretal”, diz. 

Uma pessoa obesa, que fuma e bebe, que não faz atividade física, não se alimenta de forma saudável, toma refrigerante todos os dias, não tem um estilo de vida saudável e possui distúrbios hormonais tem mais chances de ter câncer do que uma pessoa que não tem as variantes genéticas


Howard Ribeiro Lopes Junior

servidor técnico-administrativo do Departamento de Morfologia da Famed/UFC

A pesquisa sugere, por exemplo, que medicamentos testados e validados em populações europeias podem não ter a mesma resposta em brasileiros. Por isso, os testes dos fármacos são necessários e demandam resultados e análises. 

Veja também


Para Lopes, os desfechos do estudo mostram que, cada vez mais, a prevenção deve ser investida e incentivada pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Falar em prevenção não é simplesmente entender que a sociedade deve deixar de se expor àqueles fatores de risco que já sabidamente conhecemos”, afirma. 

Tomar medidas para buscar hábitos de vida que, definitivamente, já sabe que pode levar ao câncer é obrigação, explica o pesquisador. Para além de se preocupar com os fatores externos, é preciso entender a genética por trás das enfermidades. “Não podemos deixar de esquecer do nosso genoma, que por simplesmente nascermos, nós já temos um risco”, pontua. 

“Os órgãos públicos e o SUS precisam trazer, com ainda mais celeridade e efetividade, os testes genéticos para a sociedade, como um fator adjuvante para fazer com que a pessoa se expunha menos a esses fatores de risco e, claro, diminua o alto número que estamos vivenciando de doenças, minimizando assim o custo para a população”, conclui. 

O que é o câncer colorretal

O câncer de cólon e reto, ou colorretal, abrange os tumores que se iniciam na parte do intestino grosso chamada cólon, no reto, que corresponde ao final do intestino imediatamente antes do ânus, e no ânus. Ele também pode ser conhecido como “câncer de intestino”. 

45 mil

novos casos a cada ano, é a estimativa do Inca para o período de 2024 a 2025

A maioria dos casos desse câncer se inicia a partir de pólipos, que são lesões benignas que podem crescer na parede interna do intestino grosso, explica o Inca. De modo geral, a retirada do pólipo evita que ele se transforme em câncer. O acompanhamento das lesões é uma forma de evitar o surgimento da doença.

Na fase inicial, o câncer pode ser silencioso e não apresentar sintomas. Por isso, é fundamental realizar exames de rotina — como a colonoscopia — para um possível diagnóstico precoce. Quanto mais rápido o diagnosticado, maiores as chances de cura, evitando que o tumor se espalhe para outros órgãos. 

Segundo o Ministério da Saúde, as principais alterações que devem ser vistos com atenção são:

  • sangue nas fezes;
  • alteração do hábito intestinal (diarreia e/ou prisão de ventre);
  • dor, cólica ou desconforto abdominal;
  • fraqueza e anemia;
  • perda de peso sem causa aparente;
  • alteração na forma das fezes (fezes muito finas e compridas);
  • massa (tumoração) abdominal.

Fatores como idade igual ou superior a 50 anos, sedentarismo, obesidade, alimentação pobre em frutas, vegetais e alimentos que contenham fibras, além de condições genéticas ou hereditárias estão associados ao risco maior de desenvolvimento da doença. 

Outros fatores relacionados à maior chance de desenvolvimento da doença são história familiar ou pessoal de câncer de intestino, ovário, útero ou mama, além de tabagismo e consumo de bebidas alcoólicas.

Por isso, o INCA orienta as seguintes recomendações para evitar o câncer colorretal:

  • Comer até 500 gramas de carnes vermelhas por semana;
  • Evitar carnes processadas;
  • Ter uma vida ativa;
  • Evitar bebidas alcoólicas;
  • Manter o peso corporal saudável;
  • Ter uma alimentação rica em vegetais.

Compartilhe esta notícia