Um dos elementos mais destacados por especialistas e autoridades ao avaliar os impactos do tarifaço de 50% dos Estados Unidos no Ceará é que o país é o principal parceiro comercial cearense. E essa é uma realidade de mais de 36 anos.
Os Estados Unidos são o destino da maior parte do que é exportado pelo Ceará desde, pelo menos, 1989, ano de início da série histórica do Comex Stat, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, que reúne dados brasileiros de exportação e importação.
Naquele ano, o Ceará enviou US$ 126 milhões em produtos aos EUA. Os principais itens eram castanha de caju, lagostas e cera de carnaúba, que seguem com forte presença na pauta exportadora até hoje.
A partir de 1997, as frutas se tornaram o item mais enviado ao país norte-americano. Os segmentos de peixes e crustáceos e de calçados também aumentaram a participação no envio — e continuam entre os produtos mais exportados até a atualidade.
Sempre ocupando a primeira colocação, os Estados Unidos chegaram a perder parte da participação na exportação cearense, mas retomaram a importância nos últimos anos, destaca estudo do Ipece.
Em 2014, as exportações ao país foram somente 15,57% do total. Em 2024, o percentual chegou ao patamar de 49,73%.
Proximidade geográfica e Porto do Pecém fortaleceram o comércio entre Ceará e EUA
A parceria comercial longínqua é viabilizada pela proximidade geográfica entre os dois locais e facilidades logísticas, destaca a professora de Comércio Exterior da Universidade de Fortaleza (Unifor), Larissa Amaral.
“Nosso tempo para chegar aos Estados Unidos é muito baixo comparado com o da Ásia, Europa. Temos voos diretos, que permitem que, em sete horas, uma carga chegue aos Estados Unidos, além de linhas diretas pela via marítima”, analisa.
A especialista enfatiza que a relação comercial foi construída com o tempo. De início, as mercadorias eram enviadas somente pelo Porto do Mucuripe. A consolidação do Porto do Pecém e seu complexo industrial, no início dos anos 2000, impulsionou as exportações.
A extensa demanda do mercado estadunidense, principalmente por produtos de aço, torna inevitável o protagonismo dos EUA nas exportações, segundo Larissa Amaral.
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“Os Estados Unidos foram um mercado muito grande, apto para receber nossas mercadorias. Comercializar com um país um grande volume é muito mais fácil do que ter que comercializar com vários países volumes fracionados”, aponta.
A indústria cearense conquista diversos compradores norte-americanos devido à diversidade da produção, avalia o presidente do Conselho Regional de Economia do Estado do Ceará (Corecon-CE), Wandemberg Almeida.
Os produtores de bens de transformação se beneficiam de contratos duradouros e bem avaliados, que o favorece a preferência para exportar aos Estados Unidos.
“Essa preferência é comum, especialmente em estados que têm uma estrutura exportadora concentrada. Por exemplo, Minas Gerais tem proximidade maior com a China, Amazonas com os EUA e o México pela zona franca de Manaus”, afirma.
Exportações de aço do Ceará para os EUA ganham força desde 2017
Não é possível falar do comércio exterior cearense sem falar da pauta do aço. No primeiro semestre de 2025, as exportações de ferro, aço e produtos derivados representaram cerca de 75% do valor vendido aos Estados Unidos.
As exportações cearenses aos Estados Unidos cresceram de forma expressiva em 2018, chegando a US$ 870 milhões. Concomitantemente, o setor siderúrgico cresceu sua participação no mercado exportador.
Naquele ano, foram exportados 963 mil toneladas em ferro aos EUA, avaliadas em US$ 552 milhões. Em comparação 2017, o valor exportado cresceu mais de 250%.
O movimento está relacionado ao início da operação da ArcelorMittal no complexo do Pecém, após aquisição da Companhia Siderúrgica do Pecém (CSP), em 2016.
A empresa é a maior produtora de aço do Brasil e segue como uma das maiores exportadoras do Estado. Atualmente, a planta no Ceará tem capacidade de produzir 3 milhões de toneladas de placas de aço.
Larissa Amaral destaca que a empresa chegou ao Ceará, se instalando em uma região portuária, visando estrategicamente a exportação.
A operação grandiosa da siderúrgica, que domina os dados de exportação, pode até ofuscar a diversidade do comércio exterior que vem sendo conquistada nos últimos anos, segundo a especialista.
“Sim, podemos chamar de dependência com os Estados Unidos, mas relacionada ao setor do aço. Quase 50% do que é exportado são outros produtos, que vão para o mercado norte-americano e também para outros mercados”, afirma.
DIVERSIFICAÇÃO DE MERCADOS É IMPORTANTE
A relação comercial entre o Ceará e os Estados Unidos foi favorável ao Estado em 22 dos últimos 25 anos. Ou seja, de modo geral, o Ceará exporta em volume maior do que importa do país.
Apesar da presença constante dos Estados Unidos na liderança de exportações, o comércio exterior do Ceará passou por grandes mudanças nas últimas décadas.
Em 1997, por exemplo, Argentina, Paraguai e Canadá se juntavam aos EUA no ranking de principais destinos dos produtos cearenses.
Já em 2024, a lista foi formada por Países Baixos, México, China, França. O Ipece destaca que a participação chinesa na pauta de exportações tem evoluído.
A representatividade da China nas exportações saltou de 0,01%, em 2000, para 3,91%, em 2024, saindo da 70ª para a 4ª posição.
O processo de diversificação de mercados consumidores, que já vem sendo realizado há alguns anos, é fundamental para que o Ceará não limite suas potencialidades, defende Wandenberg Almeida.
“Buscar novos mercados acaba envolvendo custos elevados, adaptação dos produtos em outras redes, requisitos sanitários. Então, quando um mercado como o dos Estados Unidos compra muito da gente, acaba virando um incentivo para que se diminuísse a diversificação”, comenta.